Fake news e capitalismo de vigilância: trocando uma ideia com Marta Alencar.

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por Aristides Oliveira

Recentemente assisti “O Dilema das Redes” (Jeff Orlowski , 2020) e fiquei fazendo alguns questionamentos sobre minha prática nas redes sociais: quanto tempo fico grudado no celular diariamente? Qual o propósito de postar fotos no instagram e expor aos outros minha vida pessoal? Não seria nossa vida um espetáculo gratuito para os outros? Qual o limite entre zelar pela nossa privacidade e exibir um estilo de vida que os apps nos aprisionam?

Qual o sentido de verdade, fato e credibilidade na era das notícias falsas?

Já tinha essa desconfiança, mas com o filme, a ficha caiu.

Para compartilhar essa inquietação, convidei a jornalista e mestranda em Comunicação Social (Universidade Federal do Piauí – UFPI) Marta Alencar para um bate-papo sobre o assunto.

Marta tem se dedicado aos estudos envolvendo fake news e trabalha no projeto COAR (@coarnoticias), o primeiro projeto de fact-checking do Piauí. Ela vai direto ao ponto e nos brinda com reflexões pertinentes sobre as armadilhas criadas pelo mundo virtual.

Essa é a primeira entrevista que publicamos em 2021.

Feliz ano novo e o diálogo precisa continuar.

***

Pra você, como podemos relacionar a internet com o capitalismo da vigilância?

Michel Foucault é um dos grandes pensadores quando o assunto é vigilância. Estamos num cenário em que dados são como o “novo petróleo” para as plataformas e empresas digitais. E muitas ganham com sistemas ou softwares que apresentam reconhecimento facial e que possam comercializar dados de usuários. Então, na internet ou nessas plataformas que acessamos e compartilharmos algo tudo é visto e comercializado.

Nem tudo que parece gratuito é de fato gratuito, porque vendemos o que postamos ou o que acessamos. Há um capitalismo não só de vigilância, há um capitalismo de dados. E o público é o que é mais refém. Além disso, existem muitas militâncias e uma cultura de cancelamento. O último é o que considera extremamente tóxico e retrógrado, porque em questões de segundos a reputação de qualquer pessoa pode ser lançada aos porcos.

Quando você iniciou suas pesquisas sobre o universo das fake news?

Eu sempre gostei de estudar fake news. Acho que eu sempre fui curiosa de compreender o que me era dito além do que via ou ouvia nos meios de comunicação e nas redes sociais. Mas foi justamente uma mulher e mãe que me instigou a pesquisar sobre o assunto. Em 2014, eu nem fazia mestrado ainda, recebi um vídeo no WhatsApp de uma mulher sendo brutalmente espancada por populares em Guarujá, São Paulo. Lembro que fiquei estarrecida. Sentindo a dor daquela mulher. Ela acabou falecendo por uma fake news. Na época acreditaram que seu rosto era o mesmo de uma imagem que estava sendo divulgado numa página de Facebook, que informava que uma mulher estava raptando crianças para rituais de magia negra.

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A mulher em questão não era Fabiane Maria de Jesus. Na verdade nunca existiu tal crime na região. Tudo não passava de boato. Mas uma inocente morreu. E desde então, Fabiane Maria de Jesus me impulsionou a fazer algo em prol das pessoas no combate às Fake news. Mas é um caminhar difícil. Pois a mentira prolifera mais rápido que a verdade. E às vezes ganha mais espaço nos corações e mentes de quem desacredita nos meios de comunicação.

No auge do terraplanismo e outras bizarrices anticientificas, é possível situar ou explicar os mecanismos de como essas informações são incorporadas no cotidiano das pessoas que aderem às teorias da conspiração?

Os boatos fazem parte da história da humanidade. É só ler relatos da época da Igreja Medieval e antes disso que observamos histórias de desinformações sobre a ciência. A questão é que existem movimentos que tentam enfraquecer ou descredibilizar as pesquisas científicas por diversos motivos, entre eles, religioso ou político. Mas tudo é uma questão de poder, que vai além do conceito de capitalismo. O poder aqui é no sentido de deturpar mentes ou convencer as pessoas do contrário quanto a verdade apenas para exercer domínio sobre elas. Quem mente ou distorce os fatos nada mais almeja que poder.

Quais suas considerações sobre as campanhas eleitorais que são demarcadas pelo uso das redes sociais como instrumento de manipulação de fatos?

Falar em política é citar a disputa de poderes. E as campanhas políticas também desde a história da humanidade têm relatos de desinformações e manipulações. As eleições de 2018 tiveram um marco diferente de eleições anteriores porque contou com o disparo em massa de mensagens instantâneas pelo WhatsApp. É por isso que a internet e aplicativos de mensagens instantâneas exercem certa influência na disseminação de fake news nas eleições, principalmente quanto a questão da velocidade.

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No atual governo, muito se comenta no Gabinete do Ódio, que escoaria mas redes sociais fake news e engajamento nós discursos radicais contra a reputação de opositores. Como você acredita que as grandes empresas seja Facebook ou Twitter, estão se posicionando para frear o avanço dessas ações, seja no Brasil ou no mundo?

Graças ao movimento do Sleeping Giants, as plataformas digitais estão perdendo monetização de conteúdos e anunciantes diante dessa onda de fake news e discursos de ódio, mas além disso, racistas, homofóbicos e etc. As marcas vêm cobrando dessas empresas do Vale do Silício uma posição diante desses discursos disseminados por determinados grupos extremistas que propagam contra minorias.

As plataformas estão revendo sua atuação diante do ódio que é propagado em seus canais não por uma boa causa em si, mas porque de certo modo estão deixando de lucrar. Várias empresas deixaram de anunciar ou retiraram suas páginas no Facebook, por exemplo, porque exigiram uma postura da plataforma.

Qual o limite entre realidade e distopia, a partir do momento de explosão de consumo das redes sociais?

Não sei se haveria um limite. Porque a distopia sobre diversos conteúdos na internet ascendeu tanto que se confunde com a realidade. Às vezes o boato parecia tal factual que é difícil distinguir o que é fantasia da realidade.

Por que todos nós estamos cada vez mais atrelados a ser um espelho virtual para os outros e não para nós mesmos?

É uma pergunta muito subjetiva na minha concepção. Por que o que é que de fato refletimos? Apenas aparências? Quem somos quando ninguém vê? Na minha concepção a internet incita as pessoas a fugirem da realidade com efeitos e mais efeitos e filtros do que é elas viverem ou agirem como são.

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Até que ponto a mídia hegemônica (Globo, Uol…) é capaz de atingir seus interesses construindo e sepultando suas criações midiáticas? Seja derrubando governos ou inventando celebridades?

Os conglomerados midiáticos vivem de publicidade também das suas marcas. E defendem que são as grandes responsáveis por propagar a verdade. No entanto, às vezes até a “verdade” que eles pregam também é distorcida e atende interesses. Por isso esses mesmos meios podem derrubar ou destruir. Mas também podem manchar a reputação que construíram. Eu sou uma defensora do jornalismo. Então respeito de certo modo os grandes e pequenos meios, não concordo é quando há erros propositais ou interesses ocultos que deixam a população à mercê.

Para fechar: você acredita que exista uma via de resistência que impeça o avanço do obscurantismo produzido pela fake news ou é uma batalha perdida?

Enquanto houver fôlego para combater a indústria das fake news, iremos combater ao máximo. Pois o importante é não desistirmos. Como disse anteriormente há interesses mercadológicos por essas empresas e políticos que propagam fake news, mas há também o interesse pela verdade. Mesmo que propagar a verdade seja um caminhar difícil…

[Participação Emília Soares] Se pensarmos nos meios de comunicação de massa ao longo dos tempos, desde o jornal impresso, passando pelo rádio, pela televisão e chegando até a internet, como podemos explicar a inserção desse último em termos de sofisticação no que diz respeito ao uso de fake news? Qual o perigo que estamos correndo na atualidade se comparado às gerações anteriores?

A internet, diferente dos outros meios trabalha com velocidade e com tempo real. É por isso que, diferente dos outros meios, essa questão da velocidade é algo que pode contribuir para disseminar e propagar fake news. Há também os bots (robôs) que disseminam em massa. E aí mora o perigo. Quanto maior a propagação e a velocidade mais difícil será combater as Fake news.

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