Por Aristides Oliveira
Ao longo da minha caminhada degustando músicas brasileiras/além-mar tive o interesse em compreender o papel do meu ouvido na construção das paisagens sonoras afetivas que me rodeiam. Desde pequeno, lá pelas bandas de 1993 eu já frequentava locadoras de CD atrás de novidades. Como meu aparelho só pegava fita, os caras cobravam uns cinco reais para gravar numa BASF 46 min.
Também fui ouvinte atento dos programas de rádio, conhecia o nome dos locutores e no fim de semana brincava de radialista com meu amigo Daniel no terraço de casa. Acompanhei vários programas nos horários e montava minhas coletâneas seguindo o protocolo REC/PLAY.
Lembro que 2000 me despedia das programações radiofônicas, pois já era possível comprar CDs piratas com facilidade. Aí tudo era mais fácil. O hábito de ouvir som ficou mais digital e menos magnético pra mim.
2006 esbanjava meu MP4 e acreditava que a revolução musical estava consolidada. Esse papo de fita, CD e vinil não colava mais: o quente era fazer download!
Mentira. Foi uma ilusão.
Comecei a sentir que ouvir música estava ficando sem graça. Havia uma espécie de fantasmagoria ocupando aquele prazer. Eu não tocava na música, não havia uma relação física com ela. Tudo virou arquivos digitais, ícones e números… Achava que essa onda não rolava pra mim.
Ouvir música é ritual e movimento. É tirar o objeto da embalagem e inserir no deck, na bandeja ou colocar a bolacha na agulha com delicadeza e deixar o mistério invadir a pista. Sou entusiasta das plataformas que democratizaram o ato de ouvir música. Agora todo mundo tem acesso a qualquer artista sem fazer esforço. Pra que sensação mais incrível do que essa? Tudo na palma da mão!
Enquanto comemoramos essa transformação, ainda sentia necessidade em manter meus rituais analógicos e não perder o contato com o passado. Decidi retomar a prática pegando carona na retromania que explodiu nos anos 2010.
O disco e o CD estão de volta as minhas prateleiras.
Aos poucos a fita K7 vai conquistando espaço no mercado brasileiro… Vamos aguardando como a Polysom e demais distribuidoras irão articular essa possível reentrada nos próximos anos.
No variado cardápio que a música brasileira oferece aos ouvidos mais exigentes, me dedico (nesse momento) a garimpar vozes femininas do samba obscuro, ou seja, aqueles nomes que se perdem no tempo ou que não ganharam o status mainstream. Saindo um pouco da linha de frente do show business (Alcione, Beth Carvalho, Elza Soares, Ivone Lara e outras referências clássicas) gostaria de indicar algumas pérolas aos leitores e leitoras da Acrobata.
A primeira voz que vou discotecar pra vocês é da Evinha.
Considero uma das cantoras mais importantes dos garimpos que realizei. Começou sua carreira nos anos 60 no Trio Esperança e começa a década de 70 seguindo carreira solo com “Eva 2001”. Atualmente mora na França e segue uma carreira firme no exterior.
O disco que mais gosto dela foi lançado em 1974 (uma raridade disputada por colecionadores). Vou soltar aqui pra vocês, mas numa playlist mixada com outras faixas dela:
Outra pancada é a Carmen Silva, que sempre sonhou em ser cantora, mas abandonou os estudos cedo para trabalhar de babá e empregada doméstica. Nas horas vagas Carmen frequentava programas de calouros e nessa insistência pelo que amava venceu (no fim dos anos 60) o concurso “Um Cantor por um Milhão, um Milhão por uma Canção”, exibida pela TV Record.
Rapidamente trilhou uma carreira musical no Rio de Janeiro e o mundo a contratava para tocar suas canções de amor, tornando-se um sucesso imediato.
Carmen tem uma curiosidade a ser destacada. Ela sempre foi pressionada para gravar sambas tradicionais, mas sua vontade falou mais alto. Carmem era sambista, mas com uma pegada no estilo “romântico”, o que alguns poderiam enquadrar no gênero “brega romântico”.
Deixo abaixo uma coletânea que reúne seus maiores sucessos:
A próxima pedrada me dá um aperto no coração.
Dila. Ilustre desconhecida no Brasil e cultuada na Europa (os ingleses adoram nossa música e criaram selos especializados para prensar discos que nunca ouvimos falar! Salve a Mr. Bongo e Far Out Recordings!) lançou apenas um disco, peça cara no mercado lá fora.
Lançada no Brasil em 1971 pelo selo Cid, o disco carrega um samba soul com suingue funkeado para agitar rodas com churrasco e cerveja. Um verdadeiro tesouro da música obscura brasileira.
É aí que meu coração aperta porque Dila faleceu pouco tempo depois do lançamento do disco, por um acidente de carro. Pouco se sabe sobre a biografia dela com profundidade. Dila é um mistério escavado pelos ingleses. Precisamos trazer a voz de volta aos nossos ouvidos. Seria hoje Dila a estrela máxima do samba?
Outra dica para enriquecer o set list é a voz mais carismática da Eliana Pittman.
No começo da década de 60 ela inicia a carreira nas boates do Rio de Janeiro cantando jazz e bossa nova. Legal a gente lembrar que seu bisavô foi Booker T. Washington, peça-chave para construir e fundar a Tuskegee Institute, a primeira universidade para negros nos Estados Unidos.
Estouro na França, Alemanha, Suécia, Espanha, Itália, Portugal, Venezuela, México e Estados Unidos, Eliana possui uma discografia eclética e traz o carimbó como traço característico em várias canções. Após 17 anos de pausa, voltou em 2019 com o trabalho “Ontem, hoje e sempre”.
E a Embaixatriz do Samba? Como esquecer Carmen Costa nesse set? Sambista desde os anos 40, Carmen é uma obra de arte em si.
E seguimos de encaminhamentos sonoros fundamentais que precisamos conhecer e compreender nossas vozes femininas brasileiras:
Jovelina Pérola Negra!
A pouco explorada por nós: Eliana Estevão.
Carmen Joia, com relativo sucesso entre os anos 60/70.
E como não se jogar nas vozes de Marcia Maria, Giovana e Sonia Santos?
Fico me perguntando quantas vozes ainda não conheço e estão fora dessa breve lista, mas como eu sou apaixonado pelas vozes negras do Brasil, garanto que outras sequências poderosas vão surgir para meus amigos e amigas da Acrobata!
Os garimpos continuam. Investigações em andamento…