Leila Ferraz e o Delírio Esculpido na Pele

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Por Anna Apolinário

O Dia dos Cinco Orgasmos (Mama Quilla, 2024), obra da poeta Leila Ferraz, a mais indelével joia surrealista que esse tempo nos deu, é mais uma de suas deliciosas efabulações. Uma majestosa viagem aos abismos do desejo, do corpo, os poemas são pêndulos mágicos que dançam na cadência das voragens da carne e do espírito.

Os títulos de seu grimório, com seus cheiros e sumos provocativos, insolentes, são encantatórios ritos, anunciam a natureza subversiva e deslumbrante de seu íntimo redemoinho de versos. Leila nos descortina um “céu desfeito em fábula”, nos seduz com sua “convulsiva taça dos desejos”, sussurra em nossa pele com sua “língua imantada do amor”.

Um livro que soa como visceral e luxurioso relicário de memórias, repleto de dias e fabulações infindas. Ao abraçar o fulgor dos versos, os meus pés flutuam em sendas desconhecidas de sensações e segredos, um fogo iridescente devora tudo. Com a respiração suspensa e os olhos em êxtase, eu folheio os cometas incendiários de cada sílaba que Leila oferece.

Imersa em arrebatamento onírico, percebo um dilaceramento de fronteiras entre amor e morte, sonho e vigília, uma torrente misteriosa subvertendo realidades, aquarela selvática de preciosos, violentos e eternos orgasmos. Assim eu saboreio o verso de Leila, sua poesia é nudez carnívora abrindo maravilhosos rasgos na teia do mundo.

Com sua poética de vigor metamórfico e visionário, Leila incita a celebração do amor, da liberdade e sobretudo do desejo, pincelando com maestria os doces e deleitosos perigos da aventura humana. Ela possui e balança as chaves do cosmos no parapeito de cada poema e nos convida a mergulhar no precipício espelhado de seus sonhos. Eu leio e deliro.

RESPIRAÇÃO SUSPENSA

Um sorriso e a delicadeza
de meu poema
trarão você de volta.

Espero você com a respiração
suspensa.

DIGITO EM TUA LÍNGUA ESTE RECADO

Só faltam cinco.
Vou criá-las em preto e branco para que as cores não me seduzam.
Elas terão que ter suas próprias seduções.
Nascerão entre brancos, negros e acinzentados.
Uma palheta onírica e louca será usada para cometê-las.
Ultrapassarão todas as demências sem grandes alardes.
Santas madonas proscritas de suas sacrovestimentas.
Difícil será trazer um toque masculino no céu de tantas bocas.
Como será entrelaçar barbas em cabelos?
Procuro a vertigem dentro de vórtices escalando hermafroditas irracionais em suas diárias prestidigitações.
Inconsciente dedilho cada letra do imponderável sem caminhos de volta.
Refeita de tanto prazer eu me batizo amante.

LIMITES DO IMPONDERÁVEL

As letras proscritas são o aramaico da minha verve,
cujos ideogramas passaram pelo crivo dos tempos.
Estou sem em mim estar. Embora centrada e de seios nus
à espera de girinos que beberão meu leite afrodisíaco.
As sombras em plumas atapetam meus pés. Sozinhos.
Eles percorrem as sedas em busca do eixo perdido.
No poema os poetas são hermafroditas.
Algumas letras se reescrevem no tapete do horizonte.
Outras maculam o próprio nome para que ninguém as possa esquecer.
Símbolos lisérgicos degustam meus seios e a silhueta faminta de sua arquitetura.
No poema todos os corpos se fundem.
Mascamos as carnes da noite antes que se dispersem no tombadilho.


Anna Apolinário (João Pessoa, 1986) é poeta e escritora, Pedagoga e Mestra em Letras pela UFPB. É produtora cultural independente, organizadora/fundadora do Sarau Selváticas desde 2017 e da Cia Quimera – Teatro & Poesia desde 2019. Seu primeiro livro, Solfejo de Eros foi publicado em 2010, em seguida vieram Mistrais (Prêmio Literário Augusto dos Anjos – Funesc, 2014), Zarabatana (Patuá, 2016), Magmáticas Medusas (Editora Cintra/ARC Edições, 2018), A Chave Selvagem do Sonho (Triluna, 2020), Beijos de Abracadabra – poemas automáticos bilíngues (Triluna, 2023) e a obra Bruxas sussurram meu nome, contemplada no Prêmio Literário Políbio Alves da Funjope, que aguarda publicação ainda para 2024.

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