Tere Tavares, escritora e pintora, radicada em Cascavel, PR, autora dos livros Flor Essência (2004), Meus Outros (2007), Entre as Águas (2011), A linguagem dos Pássaros (Ed Patuá 2014), Vozes & Recortes (Ed Penalux 2015), A licitude dos olhos (Ed Penalux 2016), Na ternura das horas (Ed Assoeste 2017) Campos errantes (Ed. Penalux 2018). Conta com publicações em antologias, jornais e sites literários nacionais e internacionais. Integra a Academia Cascavelense de Letras.
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O Homem que Nunca era Visto
Solenemente, vestiu-se para aquela comédia que um dia fora. Ele desconhecia a cosmogonia cifrada, a inadvertência. Precisava de algo mais substancial para se recolher. Inventar alguma vivacidade. Vinha-lhe à mente um compêndio de raciocínios inglórios. Chegou ao escritório. A inutilidade do corporativismo quis dele o que ele não admitia conceder. Não havia nada ali, além de uma volta para trás. Pensava que a vida existia para a lapidação do ser, ainda que acompanhada de toda sorte de falseamentos e dispersões. Uma aventura exterior, molhado o orgulho, subitamente, o extirpou dos pés, ou o que teriam sido para ele os pés, evidenciando-o no gosto de conhecer as aflições e os sobressaltos, sem qualquer simulacro. As espirais tingidas com seu sangue. Por fim, ele foi visto distanciado das ornamentações humanas, das cientificidades quando se pronunciou rumo ao infinito: “Creio que a Natureza não escolhe o que iluminar; simplesmente atua com seus raios infalíveis. Só o homem cru sabe das diásporas”.
O Homem Indizível
Suas mãos seguravam uma cabeça de ferro. Mas se assemelhava ao chumbo. Era uma tarde alaranjada contrastando com o verde-oliva das planícies. Cheia de escamas. Timbres. Tipografias. Um enigma pulsava de uma capa quase escura. Quase limpa. Um vulto de alento. Não teve coragem de largar aquele crânio que, por pouco, não lhe esmagou os gestos. Chegou com a pretensa intenção de trabalhar nos complementos mais acentuados que Deus dispunha sobre o seu frontispício [era um observatório] e ele quis muito limpar-se do antigo metal que havia passado por todos os tons e sons planetários. Teve as certezas suprimidas por uma espécie de Medusa antes de fender-se nas ranhuras onde quase todos os mestres haviam passado com seus motivos. Não era exatamente a górgone que estivera ali antes de si.
No lugar da pedra. O mesmo ponto de partida. O homem indizível. E toda a leveza impregnada na sua vazante estrutura levantando-se do solo.
Impermanência
O abismo é manso e o abalo um drone a lembrar-lhe o imemorável instante em que desperta, avassaladoramente, onde o próprio olhar o faz tombar. Ivad é uma batalha fluindo com inconfundível ternura, criado e ungido em seu interior, caindo na saliva da madrugada, onde tudo nasce para beijar o alvorecer.
O que nos sobra quando sumimos? Somos sombras amorfas e não temos um fim que não seja o fim em si mesmo, somos o sossego murmurado no dessalgar dos segredos, cintilações inscritas numa história perdida, pedúnculos de uma consciência ainda não vinda. De nomes que se apagam numa infindável tocha de falsas verdades.
Ivad se aproxima do que julga ser o seu salvador: “O futuro que talvez fosse um jamais, trouxe a noite em claro, o berçário onde deixo artefatos, estruturas que ainda desconheço; o afago a evidenciar-me os ideais mortificados, maltrapilhos, como um lago mínimo que corre consumido pela alegria. As ruas que, um dia, nem sonhei serem por mim percorridas, oscilam entre firmeza e tremor e trafegam lívidas, na generosidade imaculada do ar. Agora sou estes pés enigmáticos, essa garoa ressecada que descansa junto às begônias e aos manacás. O desconhecido me interroga e me narra para além da reflexibilidade, como uma dobra furtiva que ecoa dos transeuntes. Sou inconcluso por natureza. Só me resta a longanimidade de quem só requer o avesso do caos à caça de escolhas”.
Então, de fato, dentro da revolução que nunca o esmorece, Ivad existe e se faz quantum, audácia e deslumbre. É quando sorve a embriaguez, o entorpecimento, o excelso esboço, um ato agressivo, enlouquecido pelo ‘fazer-se ver’.
“Preciso morar distante das minhas casas. Devo perdoar a mim mesmo porque minhas oscilações adormecem antes do meu despertar. Sou quase essa afeição deserta, uma demência oca sem nenhuma insatisfação interior, o abandono, a sutileza, o desútil, o fértil. Não te esqueças de alimentar o teu conjunto para que te lembres do magnetismo sem aparato algum, diz-me a limpidez dos meus infortúnios. Toda essa mortalha incoerente e inconteste. A minha língua insistindo no que não devo aquecer. Eu não vivo os dias. Eu agonizo. E essa palavra que, por compreender-me, quer o nascimento e repete, sucessivamente, que ainda há vida depois da vida, e que nada ultrapassa essa verdade incógnita”.