O Corvo – Um Conto de J. L. Rocha do Nascimento

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Nascido João Luiz Rocha do Nascimento em 16.05.1959, Oeiras-Pi, J. L. Rocha do Nascimento é contista e poeta, além de Professor da Universidade Estadual do Piauí-UESPI, Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Mestre e Doutor em Direito Público, pela UNISINOS-RS. Membro do grupo Confraria Tarântula de Contistas, com o qual assina “Um dedo de Prosa” “Os vencidos”,Dei pra mal dizer” e mantém a página confrariatarantula.blogspot.com. Integra também o grupo virtual Juízespoet@s, com o qual publicou “Prosa & Verso”, “Pássaro Liberto”,Tecendo a magia” e “Nossas cidades: corpo e alma”.

Publicou os livros “Do cumprimento do dever de fundamentar as decisões judiciais: morte dos embargos de declaração, o Macunaíma da dogmática jurídica” (obra jurídica) e os livros de contos “Um clarão dentro da noite” e “Os pés descalço de Ava Gardner”.


O Corvo

Não me lembro de quando tudo começou. Lembro-me de que primeiro eram os pardais, as graúnas vieram depois, em bandos. Os sabiás, logo em seguida, não paravam de cantar. Por fim, pousou um falcão e ele era garboso, as asas tocando o chão, um olhar imponente, todos pareciam lhe render homenagens. Pouco a pouco, uns silenciosamente, outros batendo as asas, foram se aninhando, o que até me divertia. No início ainda tentei afugentá-los, mais pela sujeira que deixavam do que por conta do peso sobre minha caixa craniana. Não demorou e eu desisti, mesmo porque eram alegres e simpáticos, cada um com uma plumagem mais bonita do que outra, eu podia dizer que a vida até que estava colorida. E viviam em perfeita harmonia, assim concluía, àquela época.

Vinham sempre no final da tarde, quase sempre em bandos, e, na manhã seguinte, em revoada, batiam suas asas; o destino eu ignoro, mas sempre estavam de volta ao entardecer, com o papo cheio, como se costuma dizer, até que um dia não voltaram mais. Algo os assustou e sei o motivo. Foi quando chegou o corvo. Com seu canto de mau agouro, bico curto e afiado, sua veste negra como o breu da noite, nenhuma candura havia nele. Foi um duro golpe, justo no momento em que eu começava a aprender o canto do sabiá, eles se foram. Sinto saudade, ainda que tivesse, toda manhã, que aspergir os cabelos, antes de penteá-los, para remover sementes, restos de insetos e pequenos frutos deixados para trás.

O corvo, quando pousou, de imediato abriu uma clareira em volta com suas garras afiadas. Coincidentemente, meus cabelos começaram a cair. E não parava de grasnar, de forma tão sombria que assustava a coruja em frente. Aliás, minto, parava quando sentia fome. Aí então começava a bicar mais fortemente, tal qual uma britadeira de asfalto.

De tanto insistir, abriu-se um buraco no meu cérebro do tamanho de uma cratera lunar, embora aqueles açougueiros, que se autodenominam médicos, digam que, na verdade, a tal cratera foi consequência de uma queda acidental. Certo dia, bicou tanto que levou meu lobo temporal e se alojou no lugar. Dali só saía à noitinha, quando todos em minha volta estavam dormindo, mas logo retornava com restos de vísceras em volta do bico.

A partir desse momento me veio essa apatia que alterno com raros momentos de euforia, que é quando vejo paredes no lugar de portas e estas no lugar daquelas. Todas as pessoas, segundos depois de vê-las, me parecem estranhas. Essas mesmas pessoas, que se queixam ser da família, do que não me convenço, dizem não acreditar que na minha cabeça há esse demônio como inquilino, nessa altura já pensando no melhor meio de se reproduzir.

Insisto em dizer que não estou louco. E mais, neste momento, o corvídeo está comendo o que me resta dos neurônios, agora em silêncio, que é para não chamar a atenção. E eu é que não tenho culpa se eles não conseguem sequer enxergar suas asas negras. Talvez no dia em que elas cobrirem meu corpo como um manto negro é que irão acreditar em mim, mas aí já terá sido tarde, eu creio. O corvo, impune, baterá asas.


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