Eliane Potiguara e suas palavras-sementes

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Crédito da foto: Ana Maria Coutinho
 

Aos 71 anos, Eliane Potiguara exalta a identidade indígena, lutando para que os povos originários tenham visibilidade e sejam respeitados.

Por Demetrios Galvão e Thiago E

Depois de dois anos e alguns meses em casa, resguardada em Saquarema, por conta da pandemia de covid, Eliane Potiguara desembarca em Teresina, voltando, enfim, a participar presencialmente dos eventos pelo mundo. Veio dar a palestra “Chega de matar minhas cantigas e calar a minha voz – ainda tenho sementes para brotar” na 20ª edição do SaLiPi (Salão do Livro do Piauí), onde também divulgou seu livro “Metade Cara, Metade Máscara”.

Considerada a primeira escritora indígena do Brasil, Eliane nasceu em 29 de setembro de 1950 na cidade do Rio de Janeiro. Sua origem étnica Potiguara foi herdada dos avós, migrantes nordestinos. Além de poeta, ativista, professora formada em Letras e Educação pela UFRJ, nossa entrevistada é contadora de histórias e tem uma impressionante biografia.

Por seis anos, participou das sessões da ONU em Genebra e contribuiu com a elaboração da Declaração Universal dos Povos Indígenas. Entre tantas realizações e reconhecimentos, é fundadora do GRUMIN (Grupo Mulher – Educação Indígena) e Enlace Continental de Mujeres indígenas, e Embaixadora da Paz pelo Círculo de Escritores da França.

Seus textos estão em diversos sites, antologias e e-books nacionais e internacionais. Somam-se a isso sete livros publicados. Em 1992, a autora de “A Terra é a Mãe do Índio” foi Premiada pelo Pen Club da Inglaterra e Fundo Livre de Expressão (USA). No ano passado, recebeu o título de doutora “honoris causa”, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Quando Eliane falou no SaLiPi, acolhedora, simpatissíssima, firme politicamente, era 5 de junho de 2022. Muitas pessoas, emocionadas, dividiram suas histórias da plateia. No dia seguinte, enquanto fazíamos esta entrevista, divulgava-se nacionalmente o desaparecimento do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips. Bruno e Dom foram assassinados por defender os povos indígenas do Vale do Javari, área situada no estado do Amazonas e demarcada em 2 de maio de 2001.

Precisamos ouvir vozes indígenas, ter consciência de suas lutas e belezas. Compreender suas demandas, além do ato de alteridade, é um dever. Dividimos a mesma terra. Escutar Eliane Potiguara é fundamental para repensarmos nossa ideia de país.

Eliane Potiguara com Aliã Wamiri no bate-papo literário do SaLiPi – Salão do Livro do Piauí
Crédito da foto: Thiago E

Demetrios Galvão – A Lei 11.645 é importante porque tornou obrigatório o ensino da história e das culturas indígenas nos currículos escolares e no nível superior. Nesse momento, o mercado editorial se abriu para publicações indígenas, levando o pensamento dos povos originários para as salas de aula. Vamos começar a conversa por essa lei.

Eliane Potiguara – A Lei 11.645 veio pra facilitar e abrir um espaço, pra retirar a questão indígena desse vácuo, da invisibilidade, e trazer a luz do conhecimento aos professores e aos alunos. Essa lei, que é de maior importância, foi promulgada no governo Lula. E, depois, com o governo seguinte, ela não foi abolida, mas não teve uma atenção adequada. Principalmente nesse novo governo autoritário. Não houve políticas públicas para esse tipo de promoção. Os professores não tiveram apoio pra fazerem suas aulas. Os próprios indígenas não tiveram apoio para irem às escolas, produzir materiais didáticos, livros de poesia, de conto, contação de história. Foi um dos períodos mais difíceis esse último governo Bolsonaro. A gente teve muita dificuldade para divulgar, para participar de eventos. E também a própria questão da covid. Agora, em 2022, é que estão abrindo um pouco os espaços. Mas a Lei 11.645 é real, verdadeira, democrática, e aprovada pelos professores. Nós queremos que essa lei continue. Que o próximo governo seja mais democrático do que esse, e realmente dê prosseguimento à Lei, pra que nós possamos ter espaço como povos indígenas.

Demetrios Galvão – Eliane, você tem livros infantis. Eles foram adotados em escolas. Você tem sido convidada para bater papo com crianças e jovens.

Eliane Potiguara – Eu tive alguns livros publicados, como “O Pássaro Encantado”, “A Cura da Terra”, “Akajutibiró”, “A Terra é a Mãe do Índio”, alguns materiais que foram escritos especificamente e solicitados pelas próprias editoras. Em São Paulo, o meu livro “A Cura da Terra” foi adotado pela prefeitura e pelo Governo do Estado. No Mato Grosso, a mesma coisa. Eu tive essa felicidade. Até hoje, meus livros são solicitados pelas escolas, pelos programas, pelas lives, pelos professores que fizeram trabalhos com os alunos durante a pandemia.

Demetrios Galvão – Como tem sido esse contato com o público? Você tem ido às escolas, às universidades?

Eliane Potiguara – Sim. Eu fui a muitas universidades. Continuo indo. Em dois anos e meio de pandemia, fui a centenas de universidades. Eram lives toda hora para falar com crianças e jovens, para falar sobre o livro “Metade Cara, Metade Máscara”, e outros trabalhos que tenho também… O livro “Origens”, que foi publicado com mais quatro escritores de grande importância… Nesse período da pandemia, foi o período em que mais trabalhei. Era live em cima de live. Foi uma coisa muito boa, por um lado.

Thiago E – Você é uma escritora reconhecida internacionalmente, premiada na Inglaterra, nos EUA, Embaixadora da Paz na França. Mesmo com décadas de trabalho, você é pouco citada, pouco lida no Brasil. Ser mulher e indígena interfere nisso?

Eliane Potiguara – Com certeza. Só pelo fato de ser indígena. Porque o Brasil não tem interesse de falar sobre a questão indígena. O conceito de “índio” no Brasil ainda é um tabu. Nós nem conseguimos tirar esse nome de “índio”, porque nós não somos “índio”. Esse nome vem sendo perpetuado ao longo do período da colonização. Nós somos etnias indígenas, povos originários. O fato de não lerem, não saberem algo sobre meu trabalho, é por conta mesmo da temática. O Ailton Krenak tem conseguido furar esse bloqueio, mas ainda continua limitado. Ainda continua muito carregado de racismo, de discriminação social. É um tema que as pessoas não se interessam. A burguesia, a classe média, a classe alta: “Falar sobre a questão indígena, pra quê?” Só um exemplo: eu entreguei meu livro pra revisão agora, pra uma professora de 80 anos. Ela leu meu livro todinho. Quando acabou de ler, ela perguntou: “Qual o objetivo do seu livro?” Eu disse: “Mas está tão claro! É a conscientização do povo”.

Pra você ver: uma professora, uma revisora de livros – ela não tem a menor noção de que existe uma questão a ser trabalhada, que a gente quer conseguir sair dessa invisibilidade! No contexto do indigenismo, das comunidades indígenas, eu sou conhecida. Mas fora do mundinho, do nosso mundo… Nós somos poucos, nós somos uma porcentagem muito pouca em relação à população brasileira. Mesmo com relação à questão do povo afro brasileiro, o próprio povo afro também, às vezes, não leva em consideração a existência do povo indígena. A gente tem uma dificuldade muito grande de penetração. Por isso, a gente precisa da Lei 11.645. Por isso, a gente tem que publicar, ir às revistas, ir à televisão, ir a todo lugar. Às vezes, parece uma autopromoção, mas é a necessidade da gente mostrar: “Socorro! Nós queremos ser vistos!” Nós precisamos ter visibilidade. Um vai colocando a questão, o outro vai levando. Isso vai abrindo um leque bem grande para que a gente possa chegar às escolas. Mas ainda está muito difícil. Há muito trabalho a fazer.

Demetrios Galvão – Quando falamos de literatura, no cânone branco, ela está associada a uma discussão estética, das formas, das rimas, da tradição etc. E a discussão indígena não passa tanto por esse campo. Tem a sua estética, pela singularidade cultural dos povos indígenas, mas essa literatura está mais referenciada pela experiência, pela vivência.

Eliane Potiguara – É verdade. Em primeiro lugar, os povos indígenas têm uma cultura oral. A literatura indígena foi crescendo como uma necessidade muito específica, uma necessidade de resistência, de resistência como identidade indígena. Por quê? Primeiro, porque autores não indígenas estavam se apoderando das histórias dos contos e recontando essas histórias, mudando o conteúdo, tornando-se os profissionais nessa área. E quem tem que ser o profissional nessa área são os indígenas. São eles os bons nessa filosofia, nessa ancestralidade, nessa cosmovisão. A literatura indígena nasceu da luta e da resistência: “Êpa, vamos tomar o que é nosso. Nós somos protagonistas da nossa história. Nós temos que contá-la. E não o terceiro.” Isso aconteceu na Amazônia. As histórias amazônicas estavam sendo recontadas e perdiam o fio da filosofia.

A língua indígena também está sendo uma forma de resistência, de preservá-la. Nós temos diversas línguas. Existem hoje 305 povos indígenas e 165 línguas em uso. Então isso é uma necessidade de trazer à tona. É uma realidade. Isso é um movimento internacional. Começou com o Conselho Internacional dos Tratados Indígenas, nos EUA, e com o Congresso Internacional em Washington, com grandes lideranças indígenas que vêm trabalhando há séculos a identidade, apesar deles não terem terra. Nós, não. Nós temos terras demarcadas. O povo mexicano é pioneiro no movimento teatral. É fantástico! A arte indígena, as cores! México, EUA, Panamá com os indígenas Kunas… Todos esses indígenas eu os encontrei nas Nações Unidas no período em que trabalhei a Declaração Universal Pelos Direitos Civis. Esses indígenas conseguiram trazer a discussão para dentro das Nações Unidas com seus governos! Foi excelente! Isso foi um passo! A rádio Sami, por exemplo, rádio indígena na Noruega, onde tem os indígenas Sami, constituiu ali o maior veículo de informação e difusão de conhecimento para o povo deles. Na Rússia, a mesma coisa. Nós temos povos indígenas no mundo inteiro: na China, na Coreia, na Índia, na Austrália, na Nova Zelândia…

Demetrios Galvão – Quando você fala em povos indígenas pelo mundo, é uma referência aos povos originários.

Eliane Potiguara – Povos originários como são no Brasil. Povo Terena, povo Kaiowá, povo Guarani… São as primeiras nações. Como ouvi de Mercredi, grande líder indígena do Canadá. Ele sempre levantou essa bandeira: “As primeiras nações”. Considerar o povo indígena como nacionalidade. O povo indígena tem dupla nacionalidade: a de origem, como povo, e a nacionalidade geral, do país onde ele nasceu. Quer dizer que as Américas, a Austrália, a Oceania, nós temos uma vasta população indígena que se concentrou na ONU, um movimento extremamente revolucionário. As maiores cabeças estiveram nessas reuniões durante 30 anos! 30 anos! Daí, esse documento jurídico que é a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Eliane Potiguara no bate-papo literário do SaLiPi – Salão do Livro do Piauí
Crédito da foto: Caio Negreiros

Thiago E – Nesse movimento, você ficou seis anos trabalhando.

Eliane Potiguara – Fiquei seis anos trabalhando nas sessões e nas conferências paralelas. E fiz parte do programa de combate ao racismo, que era o mesmo programa do Nelson Mandela. Por isso, que eu falo de racismo muito antes do brasileiro emitir essa palavra. Há 30, 40 anos, era difícil você falar a palavra “racista”: “Que racista? Nós não somos racistas”. Mas o racismo é um racismo intrínseco, que foi criado na colonização. Os próprios elementos de segmento são racistas com o outro, como eu coloquei na minha palestra: do capitão do mato ser racista com o próprio irmão, com o companheiro dele, só porque ele tem um certo poder, está num nível mais alto.

Thiago E – Que ações você destacaria do período em que você trabalhou pela Declaração Universal dos Povos Indígenas?

Eliane Potiguara – Para eu poder chegar às Nações Unidas, tem um contexto. Primeiro, eu estava no Conselho Mundial de Igrejas, no programa de combate ao racismo. Mas não tinha nada a ver com religião, tinha a ver com a espiritualidade indígena. O Conselho Mundial de Igrejas trabalha com outra concepção da que tem o Papa da igreja católica. Ele tem outro formato. Ele parte da espiritualidade de cada povo. A pauta nesse caso foi justamente a violência aos povos indígenas no Brasil. A gente estava tendo situações drásticas, como os assassinatos de 14 Ticunas, há três ou quatro décadas atrás, o assassinato do Marçal Tupã-i… Estavam doando roupa contaminada pra povos em Rondônia… Havia já, desde aquela época, a invasão dos garimpeiros, do agronegócio. Isso é antigo! Essa luta que o pessoal leva hoje na ATL (Acampamento Terra Livre) está dando continuidade ao que já existe há muito tempo: que são as investidas do grande capital nessas áreas. O mercúrio, o ouro, os minerais, a água, as hidrelétricas… Essa é uma luta antiga! E a questão da demarcação das terras passa por aí.

Quando acontece essa grande empreitada capitalista, assassina, fascista, ela vai justamente afetar as áreas indígenas. Os povos, muitas vezes, têm que fugir pra não serem assassinados. Ou são assassinados. Como esconder uma realidade de centenas, milhares de pessoas indígenas assassinadas por uma fábrica de tecidos inglesa? Por que não foi feita justiça? Então continua essa luta. É uma luta nacional e internacional. Muitas empresas internacionais invadem as áreas indígenas em outros países. A pauta é a mesma. Por isso, houve uma identificação entre os povos indígenas do mundo inteiro para elaboração de um instrumento jurídico que garantisse a vida indígena. Por isso, essa Lei foi promulgada. Os países não respeitam, continuam passando por cima das convenções internacionais. O grande capital não respeita. O mais prejudicado é aquele que está vivendo em sua comunidade, de forma carente, precária, precisando da água, do ar, do alimento. Infelizmente, essa é nossa luta.

Demetrios Galvão – Ontem, em sua palestra no SaLiPi (Salão do Livro do Piauí), quando abriu para perguntas, algumas pessoas na plateia foram compartilhar histórias. Foi impressionante! Dividiram suas experiências e a necessidade de afirmação identitária, buscando a ancestralidade indígena, relacionando às histórias familiares, de avós e bisavós… O que vimos ontem tem ocorrido com frequência nas suas falas?

Eliane Potiguara – Tem ocorrido. Eu recebo muitas cartas, muitos e-mails, muitos depoimentos quando as pessoas se identificam com o meu livro. Ele fala especificamente da imigração e do racismo: como se deu essa história, como nós devemos sair dessa invisibilidade. E como isso tudo foi apagado. Por que esse apagamento nacional? As pessoas tinham vergonha de serem identificadas como indígenas porque havia um índice muito grande de assassinato, de violência física, violência moral, psicológica, institucional. Eu estive numa comunidade indígena, há 30 anos, em que a pessoa não queria dizer que ela era daquela comunidade, quando a gente via na cara dela que era alguém de origem indígena. Por quê? Porque quando ela ia pra cidade e era estigmatizada. O grande estigma de ser indígena. A história do Brasil é essa. O povo precisou se reprimir, se apagar, se diminuir, pra não ser atacado.

Demetrios Galvão – E é perceptível a retomada, a busca pela identidade.

Eliane Potiguara – É bonita a busca pela identidade, a valorização da ancestralidade. Quando você coloca que tem uma família, que você não é só, que você não é o único, mas que tem todo um contexto histórico, espiritual, cosmológico, tem todo um contexto de vida, de essência, de força, de energia. Esse indivíduo, quando ele se apercebe disso, acredita que pode resgatar sua identidade indígena. E a gente tem trabalhado muito a exaltação. No meu livro “Metade Cara, Metade Máscara”, tem um capítulo específico da exaltação da identidade indígena. É extremamente importe a gente exaltar. Quando a gente exalta, a gente mostra a cara. E as pessoas são obrigadas a respeitar.

Thiago E com Eliane Potiguara

Thiago E – Você tem um poema fabuloso chamado “Identidade indígena”. Longo e potente. Além das imagens fortes, a musicalidade dele é muito sedutora. Quem se atentar aos versos, vai perceber decassílabos heroicos, alexandrinos, redondilhas. Você estudou versificação?

Eliane Potiguara – Estudei um pouco. Eu fiz faculdade de Letras Português e Literatura, então tive que estudar isso. Naquele bojo, eu já escrevia, e eu brincava. Mas nunca pensei que eu iria publicar um livro, que eu ia me tornar uma escritora, que eu poderia vir a escrever um poema. Nunca tive essa pretensão. As coisas foram nascendo muito de dentro do meu coração, da minha alma.

“Nosso ancestral dizia: Temos vida longa!
Mas caio da vida e da morte
E range o armamento contra nós.
Mas enquanto eu tiver o coração acesso
Não morre a indígena em mim e
Nem tampouco o compromisso que assumi
Perante os mortos
De caminhar com minha gente passo a passo
E firme, em direção ao sol.
Sou uma agulha que ferve no meio do palheiro
Carrego o peso da família espoliada
Desacreditada, humilhada
Sem forma, sem brilho, sem fama.”

(fragmento do poema Identidade Indígena)

Thiago E – Vários versos dialogam com a tradição de poesia metrificada.

Eliane Potiguara – Não lembro. Mas acredito que, na época, eu devo ter trabalhado. Tenho um poema que diz: “Eu sou vagabundo das letras”. Eu até uso o termo masculino, alguma coisa assim: “Ah, não me importo com as redondilhas. Eu tenho que ficar escrevendo em cima das redondilhas? Ah, eu sou um vagabundo da vida…” (risos). Por que eu usei o gênero masculino? Porque naquela época, 30, 40 anos atrás, era um período em que o academicismo exigia que se escrevesse dentro da Poética. Aí eu questionei, porque a questão de gênero na época era uma questão a ser trabalhada. Não havia reconhecimento de uma pessoa negra, cigana, homossexual, indígena, ser capaz de escrever um poema. Parece que eu me escondia ali atrás do gênero masculino (risos).

Thiago E – Em que época o “Identidade indígena” foi escrito?

Eliane Potiguara – Pelos anos 70. Eu estava sofrendo muito nessa época. Eu fui perseguida, colocada numa lista de pessoas para morrer. Marcados pra morrer na Paraíba pelos latifundiários. Meu nome saiu na Rede Globo de televisão. Eu estava desesperada, tive que fugir, sair da comunidade. Meus filhos foram perseguidos, minha família. Meus filhos são prejudicados até hoje na parte psicológica. Assim como muitos povos não conseguiram retomar uma vida normal. Foram pessoas que viveram com medo, com a autoestima baixa. A colonização promoveu essa baixa autoestima: não valemos nada, somos preguiçosos, não servimos pra nada. Foi o que aconteceu comigo. Foi o momento em que eu escrevi bastante porque a pressão era muita.

Demetrios Galvão – E seu livro novo?

Eliane Potiguara – O trabalho que estou fazendo não é um livro poético, apesar de um capítulo incluir minhas últimas poesias. Eu vou fazer agora 72 anos. Tenho preocupação com o tempo, com a minha idade, com quantos anos eu tenho pra viver. Chega nessa idade: “Poxa, eu tenho que deixar alguma coisa”. Peguei todos os meus textos que publiquei ao longo da vida, que não está em lugar nenhum, que estão em site, coletânea, e transformei num livro. A primeira parte dele são ensaios, contos. A segunda parte são poesias. A terceira parte, citações. Tem uma outra parte em que eu falo especificamente da questão da mulher. E a última parte, um conto, uma história indígena. Inclusive, a segunda parte do título nasceu aqui. Eu gosto assim: “Metade Cara, Metade Máscara”. Gosto de compor. Ele já tinha uma parte e estava faltando outra. Fechei a outra parte aqui em Teresina! Tem muito tempo que eu não faço um livro.

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