“Minha poesia continua impenetrável para algumas mentes” – Entrevista com Claudio Willer

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foto: Sergio Cohn

O poeta, tradutor e ensaísta Claudio Willer morreu no dia 13 de janeiro deste ano, aos 82 anos em São Paulo, devido a um câncer na bexiga. A melhor forma de agradecermos a esse autor tão querido por nós é fazendo circular seu pensamento agudo, suas pesquisas, seu trabalho generoso, sua potente poesia.

Em 2011 entrevistamos Willer para a revista AO, publicação de poesia que editávamos no grupo Academia Onírica, em Teresina, com Laís Romero, Zorba Igreja, Kilito Trindade, Luiz Valadares e Fagão Silva. Na ocasião, publicamos esta conversa e três poemas inéditos que sairiam no livro A verdadeira história do século XX.

Demetrios Galvão & Thiago E

Thiago E – Na tua opinião, a linguagem poética é algo que se aprende? Ou se nasce poeta e o fluxo vem intuitivamente? Há algum aspecto formal na tua poesia que foi aprendido?

Willer – Ambos. Criação poética é diálogo com o que foi lido. Não há criação no vazio. É preciso pensar essa questão – da inspiração e reflexão, emoção e razão, intuição e cálculo – dialeticamente. Sempre tomo Fernando Pessoa como exemplo: “O guardador de rebanhos” como que “baixou” – foi escrito de uma enfiada só, ele relata, em uma experiência de êxtase, assim inaugurando Alberto Caeiro e, por decorrência, os principais heterônimos. “Mensagem”, Pessoa levou 20 anos para escrever: as primeiras anotações são de 1914. O que isso significa? Que o tempo da poesia é outro, pode ser um instante ou décadas. Outro dia assisti a uma palestra sobre intertextualidade em Caeiro: há bastantes alusões a Teixeira de Pascoaes. Isso conflita com a espontaneidade, com a inspiração? Não. Tem um artigo meu, “A escrita automática e outras escritas”, on line em https://www.academia.edu/17065196/A_escrita_autom%C3%A1tica_e_outras_escritas_um_depoimento , em que mostro como um dos meus poemas, extenso, escrito no modo automático, “É assim que deve ser feito”, tem, no final, uma glosa de um poema de Ginsberg que havia lido décadas antes e do qual me havia esquecido. O inconsciente é simbólico, capaz de ler e de comentar o que foi lido. Meu próximo livro, “A verdadeira história do século XX”, tem “frases sibilinas” (a expressão é de Breton) que me pareceram ditadas ou reveladas – um deles, em que há falsos sinônimos, eu poderia ter prosseguido com o poema, mas fiquei só com aquelas imagens que me pareciam vindas de fora, reveladas. Vou juntar o poema a estas respostas.

Thiago – Em 2010 vimos uma triste coincidência: Roberto Piva, Wesley Duke Lee e Massao Ohno morreram no mesmo ano. Fala um tanto sobre a importância do editor e artista gráfico Massao Ohno para tua geração literária e pra poesia brasileira. E, depois dele ter publicado tantos poetas importantíssimos, por que ainda se fala tão pouco dele?

Willer – É, 2010 foi um ano e tanto. Os três já tinham idade e problemas de saúde, não foram mortes inesperadas – o que não torna as perdas menos tristes. A contribuição de Massao teve registros, escrevi sobre ele em uma publicação para o Estadão. Destaquei a inovação editorial e haver lançado os “novíssimos”. Foi um grande amigo. “Willer, quero te publicar…!” – se não me tivesse dito isso, não sei quando eu teria publicado. “Paranoia” de Piva dificilmente teria chance sem Massao. Foi corajoso ao publicar obras como “Paranoia” de Piva ou “O caderno rosa de Lory Lamby” de Hilda Hilst, que se chocavam com a moral e os bons costumes.

Demetrios Galvão – A poesia não seria o lugar em que se diz o indizível, no sentido de que a própria história, por vezes, silencia uma série de outras histórias? Digo isso porque vejo o campo inventivo poético como o espaço de produção de sentidos que transcende o fato, as conformidades, e se lança ao campo de batalha. Penso assim, principalmente, pelo o que você, Piva e os demais poetas do seu grupo fizeram.

Willer – Sem dúvida. Para nós, revela a “mais realidade” dos surrealistas.

Demetrios – Percebo que na sua poesia existe uma perspectiva muito moderna, do ponto de vista das frases longas, escrita automática e imagética. Mas montada a partir de elementos arcaicos e até mesmo com um tom de anti-modernidade. Como você processa esses elementos dentro da sua poética?

Willer – Muito interessante. Qualquer hora, detalhe, mostre onde aparece o tom de anti-modernidade. Tenho observado, em palestras, cursos e ensaios, que modernizadores trazem de volta o arcaico. Vanguardas resgataram tradições. No plano formal, isso é evidente em Breton, aquela imagética surreal e o estilo mais que clássico, com todos os recursos e as “tournures” a que tinha direito. Em Kerouac, no meio daquela fala coloquial, há bastantes trechos com impostação shakesperiana.

ANOTAÇÕES PARA MINHA BIOGRAFIA NO CENTENÁRIO DE ALFRED HITCHCOCK

sempre amei as imagens
mas eu queria mesmo era ser um narrador
modo de assemelhar-me ao cineasta da vertigem
e foi assim que passei a sentir vontade de escrever
sobre o mistério do rosto daquela mulher
que segue ao encontro do aventureiro
que a cada dia tem que reiniciar
a dolorosa caminhada
rumo à torre, à esquina, à margem, ao centro
à fatal reconquista da felicidade a dois
quando tão pouco importa o abismo
pois a vida passa depressa demais
e só queríamos um momento, um único instante nosso
– e agora sou eu
aquele que mergulha
no frio oceano da paixão
– agora sou eu
aquele que caminha
cego e surdo
através do estrondo, da revelação, do clarão, da imensidão
para sempre prisioneiro dessa história
da vida como risco permanente de um passo em falso

e agora sou eu
para quem as fachadas de San Francisco se fecham em círculo
cuidado
olhe bem
o efêmero está aí
é preciso desvendar
desvencilhar-se
para saber
quem fui
o que sou
cuidado

Demetrios – Você acredita que a poesia é um para além da História? A esse respeito, nunca esqueço o que Piva dizia: “tudo que chamam de história é o meu plano de fuga da civilização de vocês”.

Willer – Freqüentemente tenho citado Octavio Paz sobre poesia e história, em “O arco e a lira”, entre outros lugares: o poema, sendo histórico, faz história. É uma dupla relação. O poema traz em si as marcas de seu tempo, sua circunstância ou contexto – ao mesmo tempo, produz percepção de realidade, gera cultura, e nesse sentido faz história. O exemplo mais típico é aquele de Homero: a partir de sua adoção, escolar inclusive, gregos tomaram consciência de que eram gregos – foi o marco inicial de uma civilização. Os exemplos não se restringem a clássicos e epopeias. Nossa percepção é informada por Fernando Pessoa e por nossos modernistas. Em cursos e oficinas brinco dizendo que são todos baudelairianos, mesmo sem haverem lido Baudelaire: até em videoclipes e arranjos de vitrine, vê-se a assimilação de sua estética, de sua crítica à representação e ao naturalismo, precursora da arte abstrata e das vanguardas.

Thiago – Freqüentemente tua poesia faz referência à própria língua – ou à busca por uma espécie de entendimento: “Como descrever tudo que aconteceu? | Certas coisas não devem ser ditas, apenas esculpi-las em jacarandá. | amor oxímoro / amor, palavra de paradoxos | é hora de dizer claramente como são as coisas: | penetremos aos poucos / neste jardim de negações / onde a palavra pede mais espaço | a realidade / que fala ao transformar-se em memória / tudo é conivência e signo | Mas esse gesto de contar histórias impossíveis, qual é seu significado? Que botão apertei?” Por que essa recorrência metalingüística, Willer? A linguagem não dá conta da Viagem?

Willer – Muito bem observado. Gostei. Detalhe, faça um exame mais minucioso. Inclusive, é algo que me diferencia de Piva e outros contemporâneos, amigos e afins. Desde que comecei a produzir literatura também raciocinei como crítico. Vocação. Gosto de teoria literária, crítica – não tudo, evidentemente. Um poema como “Faz tempo que eu queria dizer isso”, sobre o mar, escrito no modo espontâneo – ao mesmo tempo, reflete sobre a linguagem, a poesia, o que a palavra tem a ver com aquilo que estou vendo e relatando. Meus dois primeiros livros de poesia vieram acompanhados por manifestos. Uma amiga, poeta, observou há tempos que eu delirava racionalmente nos poemas e raciocinava de modo delirante nos ensaios e manifestos. Não por acaso, aprecio Octavio Paz, poeta-pensador que tem trechos de prosa poética em seus ensaios e reflexões teóricas em sua poesia. Pela mesma razão, são exemplares, para mim, Baudelaire e Breton.

Thiago – Ao lado de Roberto Piva e Sérgio Lima, como foi receber menção do periódico francês La Bréche – Actión Surrealisté, dirigida por André Breton, em fevereiro de 1965? Mudou alguma coisa na circulação da tua poesia depois disso?

Willer – Não. Aqui, ninguém soube. Não estávamos nem aí… Achamos bom, é claro – Piva, mais tarde, mencionaria essa resenha várias vezes. Serviu por efeito de contraste para salientar o silêncio da crítica brasileira. Comecei a ser lido, fora de um círculo mais restrito a partir de 1980. Piva, a partir de 2000.

A VERDADEIRA HISTÓRIA DO SÉCULO XX

contemplação: estrela no fundo do mar
você: véu de gaze azulada roçando, suave apelo
furacão: róseo
perfeição: parábola de perfumes
lâmina: a mente alucinada
gruta: você e os arcanos da natureza
matemática do sonho: esta nuvem
gelo: explosão de relâmpagos
essa solidez, essa presença: capim ao vento
rápidos, passando à frente: lavanda
e também sombra de árvore
montanha: inteiramente nossa
intimidade sorridente: no calor da tarde
Íris: o nome da flor, o seio ao sol

– quanta coisa você fez que eu visse

o acaso nos transportava e podíamos ir a qualquer lugar
o mundo tinha janelas abertas
e tudo era primeira vez

gnose do redemoinho, foi o que soubemos

Thiago – São Paulo tinha alguns grupos de poesia totalmente diversos em meados do século XX. Você, ironicamente, até chegou a publicar o passamento de Augusto de Campos, Hilda Hilst, Mario Chamie, Lindolf Bell, e outros. Como era a sua relação com os demais grupos de escritores da sua época e quem eram seus interlocutores mais diretos fora do seu grupo?

Willer – A relação era aquela subentendida por esse necrológio e outras manifestações. Vou detalhar: a publicação de “Paranoia” de Piva em 1963 foi um marco divisor. Geração de 45 – então a corrente dominante – esfriou conosco. Ficaram chocados. Formalistas, concretos, práxis e afins, nós sempre repudiamos por serem cerebrais, burocratas da criação poética. Em 1960, enquanto participava de um ciclo de palestras sobre poesia, organizado por Piva, levaram-me a outro encontro literário para assistir a uma sessão sobre poesia concreta com Décio Pignatari. Concretismo era novidade na cena ocupada pela Geração de 45. Havia passado o ano anterior a freqüentar um cursinho pré-vestibular para Engenharia e, no dia da inscrição, desviei-me do caminho para a Politécnica para apresentar-me em vestibulares em Sociologia e Psicologia, minhas graduações. Décio Pignatari provocou-me a impressão de haver retornado às aulas do cursinho. Aquele articulado burguês falante a discorrer sobre tecnologia, industrialização, suas conseqüências para uma nova poesia, representava tudo o que havia deixado para trás. Não me lembro se reproduziu afirmações como esta, de “Aspectos da Poesia Concreta” de Haroldo de Campos, de 1957: “Evidentemente, a poesia concreta repudia o irracionalismo surrealista, o automatismo psíquico, o caos poético individualista e indisciplinado, que não conduz a qualquer tipo de estrutura e permite – como já disse alguém – uma espécie de “comunismo do gênio”. O poema concreto não se nutre nos limbos amorfos do inconsciente, nem lhe é lícita essa patinação descontrolada por pistas oníricas de palavras ligadas ao subjetivismo arbitrário e inconseqüente.” Quanto rigor… Os professores do meu cursinho para a Politécnica não chegavam a tanto. Só queriam preparar futuros engenheiros, e não futuros poetas construtivistas…

A geração “novíssimos” de São Paulo foi plural. Teve autores e grupos devidamente abençoados pela crítica de então – como já disse, nas mãos da Geração de 45 – inclusive a Catequese Poética encabeçada por Lindolf Bell, que, a nosso ver, fazia uma poesia bem comportada, ao gosto da burguesia.

A ala militante, ligada ao Partidão, ao CPC da UNE e Teatro de Arena, queria a poesia subordinada à mensagem – para eles, só interessava se fosse propaganda. Portanto, a instrumentalização da criação poética. Enfim, o quadro era esse: vida literária ocupada pelos tradicionalistas, pelos emergentes formalistas e pelos populistas. Demos um chega pra lá em todas essas correntes.

Thiago – Um autor de sua época que me chama a atenção é Jorge Mautner. Ele me parece não ter se fixado em nenhum grupo de escritores desse período, mas transitava por vários espaços. Como era a relação entre vocês?

Willer – Cordial. Inclusive, na década de 1990 fizemos alguma coisa juntos, leituras de “Uivo” de Ginsberg com ele e Nelson Jacobina tocando e acompanhando, pena não terem sido registradas em vídeo. Tem o registro de performance dele conosco no curta “Antes que eu me esqueça” criado por Jairo Ferreira, de 1977, no lançamento de Bicelli (tem em DVD). Nos anos de 1960, Mautner tinha uma turma, o movimento do Kaos, e nós éramos outra turma. Não que nos incomodasse, mas o ecletismo de Mautner era demais. Isso fica claro no que foi comentado em “Os dentes da memória”. Durante um tempo, foi ligado ao Partidão – não éramos reacionários, é claro, mas o moralismo, a extrema caretice e autoritarismo do PC tradicional eram algo intolerável. Ele professa uma espécie de sincretismo de tudo, o “amálgama” comentado na entrevista para vocês, uma grande síntese cuja realização seria o Brasil ou se daria no Brasil, por causa do encontro de culturas. Um ônibus enorme no qual cabe tudo. Mautner já reclamou do nosso rigor surrealista, inclusive por causa do necrológio de 1963 – em um evento em 1998, ficou reclamando que os surrealistas o haviam repudiado e eu não conseguia fixar do que estava falando, nem me lembrava que o havíamos incluído. Voltou ao assunto no “Os dentes da memória” e na entrevista para vocês.

OS POETAS PAULISTAS

o poema, só quando for impossível traduzir um estado interior de outro modo
só para dizer algo inexprimível, como o cheiro de café expresso que tomava conta da Praça Roosevelt a provocar um retorno a invernos de outras cidades
e para transmitir como foi aquela encenação da Teogonia, do poema sobre os mitos arcaicos, a vida e a morte, o fim e o recomeço como etapas do mesmo ciclo luminoso
pois a Terra, aquela noite, era um bólido que atravessava acelerado o universo e uma torrente de chuva
as gotas da noite na partitura dos minutos estampada no para brisas
uma tempestade nos encerra no centro do planeta que tem a forma de uma garagem subterrânea
e os poemas são escritos assim, de madrugada
para dizer que nossos dentes são sensuais,
nossas mãos são tão leves
nossos corpos se tocam
o vazio é perfeito
e o mar está em nós
– agora devo habituar-me a inesperadas proporções e novas simetrias de estarmos juntos,
pois somos a extensão de um texto de frases entrecortadas
sobre o alvor fugidio, esse clarão que nos separa do amanhecer de um dia seguinte
quando o cheiro de outro corpo, o seu, me acompanhar e vier acrescentar-se à minha biografia

Demetrios – É importante perceber a produção dos silêncios em nossa sociedade, e você e sua geração sofreram com esses tipos de práticas. Comento isso porque você deu uma enorme contribuição traduzindo, para o português, autores como Antonin Artaud, Allen Ginsberg, Lautréamont e, recentemente, lançou o livro Geração Beat (2009) – além, claro, do seu trabalho como poeta. Como você vê esses embates no universo literário?

Willer – Gostei dessa categoria, “produção dos silêncios”. Na década de 1960, não esperávamos outra coisa. Hoje, Piva é lido e estudado. Tenho tido, também, uma boa recepção. Traduções de Artaud, Ginsberg e Lautréamont foram bem, receberam bons comentários. Mas poderia ser melhor. Um livro como “Geração Beat”, por exemplo, tão fluente e informativo, e que circula e vende bem, podia ter sido mais noticiado pela crítica. Inclusive, por algumas sugestões de debate, algumas questões de crítica literária que proponho. Há, me parece, uma postura algo reticente por parte do que chamo de “poetas inteligentes”, os novos representantes de um cartesianismo poético. E minha poesia continua impenetrável para algumas mentes.

Demetrios – Como foi para você a experiência de ter ocupado cargos institucionais como, por exemplo, a direção da UBE e cargos em secretarias ligadas à cultura? Porque essa relação escritor e cargo público é uma questão ainda mal compreendida no meio literário brasileiro, principalmente quando envolve um poeta de postura radical.

Willer – Ao me perguntarem como é ser poeta maldito, ou se sou um poeta maldito, tenho respondido, ironicamente, que é impossível alguém ser maldito e ao mesmo tempo ter sido presidente da União Brasileira de Escritores. Mas hoje em dia, em uma sociedade mais aberta, as fronteiras entre o maldito e o institucional são fluidas. Sempre lembro Ginsberg, que foi membro da Academia norte-americana, usava o broche da Academia, e ao mesmo tempo era conselheiro de “The marijuana papers” e outras iniciativas bem underground.

Relação com a UBE foi pelo seguinte: na segunda metade da década de 1970, além de comparecer a manifestações contra o regime militar, organizava leituras públicas de poesia que tinham sentido de manifestação de protesto. E achava que aquilo deveria ter uma dimensão institucional, que ganharia força se fosse através de uma entidade de escritores como a UBE, então muito conservadora. Por isso, assim que se abriu algum espaço, em 1980, passei a atuar lá – em 1982 formamos chapa e ganhamos, fui secretário geral. Em 1988 fui candidato à presidência e ganhei a parada.

Tema da democratização da cultura era forte nos debates que precederam e acompanharam a redemocratização. De lá para cá, houve algum retrocesso, sobreveio o que tenho chamado de “miserabilismo cultural”. Secretaria de Cultura foi uma boa chance para promover a difusão da poesia e o debate de idéias. É para isso que há órgãos culturais públicos – temos que exigir que cumpram sua função. A partir de 2001, desloquei-me para a linha de frente, passei a dar oficinas, cursos, palestras e a apresentar-me mais freqüentemente como poeta.

ThiagoUm dia desses, vi uma entrevista com o escritor Mário Prata e ele enfatizou que se precisa regulamentar a profissão de escritor no Brasil para haver, inclusive, uma aposentadoria certa. Destacou que os autores ficam velhos e sem um mínimo amparo financeiro. Com toda a sua experiência como poeta e presidente da UBE, o que você pensa disso?

Willer – “Escritor” consta como categoria profissional na Receita Federal, no INSS, na Prefeitura de São Paulo. Estou cadastrado como escritor. É possível aposentar-se como escritor. Mais que isso dependeria dos próprios escritores, de se organizarem, atuarem coletivamente: principalmente em direitos autorais, em um ganho de clareza e confiabilidade nas prestações de contas, em contratos de edição mais equilibrados. Porém, poucos participam da UBE e quase ninguém se interessa pelos sindicatos de escritores. Reflexo da realidade brasileira – mercado é estreito, muitos têm que pagar para ser publicados (inclusive autores de qualidade), e a maioria me parece mais interessada em divulgação e reconhecimento do que em garantir direitos.

Demetrios – Você acha que o título do seu último livro de poemas, Estranhas Experiências, pode ser tomado como uma metáfora para compreender sua poética?

Willer – Sim, sem dúvida. É metáfora. Em minhas palestras e cursos, tenho mostrado como o surrealismo, ao promover uma síntese da subjetividade e objetividade, é uma poética da alucinação. Um título como “Estranhas experiências” resume isso.

Thiago Passado quase meio século do lançamento de Anotações para um Apocalipse (1964) e Paranoia |1963| – vendo com esse distanciamento histórico – tua geração cometeu algum erro?

Willer – Faria tudo de novo. E acho que cometemos todos os erros – todos, não, porém muitos. Detenhamo-nos na palavra “errar” e seu duplo significado: cometer erros, e ao mesmo tempo mover-se sem rumo, ao acaso – ser errante. Erramos nos dois sentidos. Certamente, faltou nos organizarmos, nos afirmarmos como movimento. Chegamos a pensar em publicações coletivas, o que nos teria transformado em capítulo da história da literatura brasileira. Mas como, se éramos errantes? Nos apresentarmos desse modo teria contribuído para a melhor difusão – mas, ao mesmo tempo, teria sido redutor, iria nos enquadrar. Concretistas, me parece, gostam de ser classificados como “concretistas” – já outros, não: ser tópico de um movimento pode ser menos que a individualidade. Foi, parece-me, a posição de Piva – muito gregário, cultor de amizades, e ao mesmo tempo rebelde e avesso a qualquer movimento mais organizado ou sistematizado, para além de ser movimento de si mesmo – o que já foi bastante. Mas só agora, em um livro de 2011, “História da Literatura Brasileira” de Carlos Nejar (editora Leya), aparece capítulo sobre surrealismo no Brasil, identificando a mim, Piva, Floriano Martins e outros.

# Diversos artigos produzidos pelo Claudio Willer podem ser consultados e baixados nesse link: https://independent.academia.edu/ClaudioWiller

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