Monica Toledo Silva (mg – sp) é artista do corpo e pesquisadora de narrativas nas imagens móveis e na performance. Professora no curso de pós graduação em História da Arte da PUC Minas, semioticista, autora de artigos sobre cinema e noções de território, migração, paisagem e presença. Realiza séries de vídeos e instalações. Organizou 2 livros (Performances da memória e Dramaturgias do Real) e publicou seu 1º de poesia em 2019, Sobre avencas, ervas daninhas e flores do mato; todos pela Impressões de Minas Editora.
Os poemas, aqui publicados, são inéditos e partem de um livrinho a ser publicado de nome celofane azul.
na esquina do mercado
conto história de mim
quem sabe quem sou eu
antes assim
acordar no tudo
sorrir o querer
depois serei outra
de outro jeito a esperar a esmo
o encontro o erro o fim
*
as imagens voltam pra cobrar.
você me viu?
vi e mostrei anos depois.
o que disse?
que me mostrei.
*
você me interrompe sempre
buscando coisas que não diz
pra frente por trás
volta e meia nunca mais
*
da beira da pele vejo o abismo
onde só existe sim
*
no pulo do susto
um pulso falta
no orvalho o grito morre
pra dentro com tudo
e eu pra fora
*
suspense:
suspenso
no ar
a queda é livre
*
o lugar de um ocupa muito espaço
eu ocupo outros
se olho sem ver
de claro não me iludo
o que nasce em mim nem sempre é meu
e segue sem dono
acordo escureço durmo
amanheço osso e pressa
nesse outro prolongamento meu
vendados os olhos podem ver
o que fica
e se move pra fora
do corpo nunca se esquece
somos todos nus
*
querer o que já se tem
atear-se a si
certificar-se que tudo que sou agora
vem do que de mim se vai
o que se faz é em mim
o que me faz é
*
rio doce, rio negro
corpo de lama não é monumento
no barro o barroco não cabe em si
na rua do resto história é sem fiim
*
cabelo solto solta um escuro
dentro de alguém um olhar se assusta
*
parece uma janela
porta pro lado de lá
e lá o quê, promessas, dívidas?
ficar então aqui mesmo
sem nada pra lembrar
dos outros
tão longe, logo ali
*
há sempre um grito
no vivo que há
*
pra quê esses guarda roupa aberto?
me ponho a correr no espaço oco
se me olham do pé pra fora
me mostro umbigo adentro
me espirram de fala sem festa
no armário de casa guardo lágrimas
e nelas me imundo até a alma
penada na poça sem chuva
*
foi gostoso ver
sua nuca me esperando
no balcão do bar
sentir sua voz, dentes dedos
olhos a desviar
dores e perdas
passadas
não movem gestos
mas espreitam da esquina
em danos
menores que eu
muito menores que seus
que nossos
sonhos
*
na nuvem que me cabe
sou todos que quero
alguém, ninguém
sempre a descoberto
nunca encontro o caminho
a seco o acaso engana
*
sempre se vive
pouco
tudo
sem sobra
em falta
só
se
vive
só
*
ah o som do sábado
que grita aquilo que você fez ontem
oculta o que ninguém mais viu
ah a noite
esconde brilha afaga
o corpo vazio na rua de luz
*
no caso do susto do sim
da boia furada, da canoa quebrada
abra as asas e voe pro fim
*
perto de lá não é por aqui
na cidade que vive de si
som do beco, grito do parque
sombras de gente sem fim
da janela a cortina resmunga:
hoje ninguém mexeu comigo
e pensa arredia
como dar conta dos outros assim
a cidade que não precisa de ninguém
vive de todos sem saber de nomes
cortina puída se engole na luz
trazendo o sono que nunca acorda
*
um desafio é sempre uma dor
uma dor nem sempre volta
alívio nem sempre é feliz
uma paixão, ah, não
de novo não
chega como se eu não a conhecesse
não pede nada nem se afoba
com esse ar de nova
dar a cara a tapa e o coração
isso sim
pra dar nisso
sempre
antes ou cedo ou tarde ou nunca
alegre, de graça
desobediente
descabida de dar dó
não, nem brinde nem beijo
de saltos altos é que se dança
o desgosto que volta novo
*
Monica Toledo (Monquinha). Uma concisa e poética narrativa de movimentos do dia a dia , as palavras caem em queda livre sobre o texto com alma e personalidade . Orgulho de ter uma poetisa tão nossa..Chico e Dalva
Poemas que exibem pensamentos, palavras e idéias muitas vezes enigmáticos, contendo revelações que não se deixam revelar e provocando nossa imaginação, numa tentativa de ler nas entrelinhas,
Enfim, uma maneira poética, profunda e bastante misteriosa de se expressar.