3 Poemas de Zainne Lima da Silva

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Zainne Lima da Silva (1994) é filha de Nara-Bahia e José-Pernambuco. Moradora de Taboão da Serra, zona metropolitana de São Paulo. Bacharela e Licencianda em Letras pela USP, é autora, leitora, pesquisadora e professora do ensino básico. Autora de Pequenas ficções de memória, Ed. Patuá (SP, 2018), da publicação virtual independente Canções para desacordar os homens (2020) e de Pedra sobre pedra, Ed. Venas Abiertas (MG, 2020).


Agradecimento

choro quando ovulo
todo mês fecundar
filho de ninguém
décimo quarto dia
enlutada, gozar
em cima de dedos tristes.


Hija de Yemayá
a Annandra Lís

tu vem me arrastando como onda brava
achando que o amor é isso, um joelho ralado
uma queda engraçada pra gringo rir
tu vem me arrastando
e nem liga se eu estou conseguindo respirar
se perdi meu biquíni no tombo
se engoli ou não a água suja do mar usado
se terei virose por quinze dias seguidos
tu vem me arrastando
com essa voz de sereia amuada
eu nem quero ir, já lhe disse
que o rio teme o desembocar
mas tu mostra as asas, os dentes, os seios
tu me quer, eu te quero (apesar de não querer)
tu vem me arrastando como quem deseja que me afogue
como quem satisfaz as próprias vontades, irredutível
tu vem me arrastando como a morte no oceano
imensa, linda, límpida, viva e feroz
tu me ama, eu te amo
(ainda sem saber o que é amar).


Reentrâncias

amar as mãos e os pés do homem negro
saber quantas de suas canelas
fugiram de polícias milícias
quantas vezes seus ombros caíram
em mãos atrás da cabeça
amar suas impressões digitais
debaixo dos calos de trabalho
e música
amar suas cicatrizes
de skate cerol e bala perdida
amar seu sobrenome
sem pai
amar seu corpo estirado no chão
vivo ou morto (sempre morto)
amar seus traumas suas neuroses
amar suas contradições
amar sua ejaculação precoce
sua ejaculação retardada
sua impotência
diante dos absurdos da vida
amar as canções que ele ama
amar os poemas que ele odeia
escrever sobre sua percepção de mundo
respeitar seu silêncio
exercitar sua paciência
despertar sua delicadeza
perceber a minúcia
atrás da couraça protetora
saber arrancá-lo à força de seu pesadelo
pôr-se à beira do precipício
que é amar um homem negro
ser gentil na queda
esquecer a colisão.

2 comentários em “3 Poemas de Zainne Lima da Silva”

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