4 Poemas de Márcio Silva

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Márcio Silva é natural de Florianópolis-SC, nascido em 1976. É professor licenciado em Física e doutor em Ciências da Linguagem. Apaixonado por arte e literatura, Márcio é frequentador assíduo de saraus em sua cidade. Estes poemas foram escritos a partir de novembro de 2018.


Contrações

Desde antes de eu nascer, ondas de ultrassom já denunciavam:
Eu não tenho útero!
Por muito tempo acreditei nisso, piamente.
Cresci.
Brincando com carrinhos, jogando futebol, empinando pipas.
Hoje, não mais.
Por algum motivo, isso me faz lembrar Clarice,
Mulher amputada de sua terceira perna.
Outro dia, Angélica Freitas disse: “um útero é do tamanho de um punho”.
Então é isso, pensei:
O útero é do tamanho do punho, que,
Fechado, é do tamanho do coração.
Eis que entre sístoles e diástoles,
Sob pressão de 120 por 80, ou mais,
Sinto fortes dores.
Como se esmurracem meu útero,
Como se quisessem, na marra,
Fazer-me abortar tudo que venho gestando.
As contrações são inevitáveis.
Escrevo! Nascem poemas.


Faxina

É preciso cuidar de nosso útero!
Porque nele se guardam medos, mágoas,
tantos risos contidos, tanto pó
recolhido de armários mal fechados.

É preciso cuidar de nosso útero!
Porque nele se gestam dores, traumas,
todo tipo de câncer, mil feridas
sempre abertas, sangrando noite e dia.

É preciso cuidar de nosso útero!
Remover todo sangue coagulado
e esse lixo juntado desde muito.

É preciso limpá-lo todo dia.
Porque quando parimos nossos versos
a sujeira incrustada sai. Na marra!


Ruminologia

Eros encarnado? Édipo Rei? Hércules?
Não. Centauro, homem-cavalo.
Duros cascos, viril caçador, carnívoros instintos.
Espasmos de uma rola enorme
De onde jorram litros de porra.
Sêmen espesso, caudaloso, prolífico.

Herdado de Íxion? De Cronos? De Urano [castrado]?
Ou será essa porra toda uma mísera porção amino-ácida [já azeda]
De um leite nutritivo que outrora jorrou com fartura das mamas de Gaia?

Talvez um rastro, um resto de falo.
Trauma de um infans desmamado na marra.
Arrebatado [sem dó] desde volumosas tetas que não te cabem.

Tetas de tua genitora? De uma ama de leite?
Dúvida retida, marcada no DNA da espécie.
Ó macho alfa, não te gabes da porra que tens.


Quase

Ruas quase vazias quase moradas quase lares quase • lugares espaços espectros fantasmas memórias restos quase • ansiedade desejo angústia agonia quase • curvas estatísticas sinistros dados na tela quase • dezessete talvez trinta e oito polegadas de ignorância verde e amarela quase • tremulando na aven_ida vista da janela da clausura d’um iso_lamento quase • viralizou • contaminação (em massa) infecção generalizada quase • dores diversas febre alta já convulsionando quase • democracia que agoniza que se passa quase • mas resiste sobrevive respira pelas frestas quase • apesar dos aparelhos.

4 comentários em “4 Poemas de Márcio Silva”

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