3 Poemas de Catarina Lins

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Catarina Lins é autora de Músculo (7Letras, 2015), Parvo orifício (Garupa, 2016), O teatro do mundo (7Letras, 2017 – finalista do Prêmio Jabuti em 2018) e Na capital sul-americana do porco light (2019). Seus poemas também estão publicados em revistas e jornais, assim como em antologias tais como É agora como nunca: antologia incompleta da poesia contemporânea brasileira, organizada por Adriana Calcanhotto (Companhia das Letras, 2017) e As 29 poetas hoje, organizada por Heloisa Buarque de Hollanda (Companhia das Letras, 2021). Natural de Florianópolis (SC), formou-se em Letras na PUC-Rio e atualmente é estudante de doutorado na Universidade de Princeton. Seu próximo livro, Um bom ano para o milho, será publicado em 2021.

Os poemas “A mesma fonte de luz” e “Boston”, aqui selecionados, fazem parte do novo livro, ainda inédito, Um bom ano para o milho. “Tyr entre os matrinxãs” foi publicado originalmente na plaqueta Músculo.


a mesma fonte de luz

Você se tornou um amante de tocqueville por causa dele

quando sentiu, no ar, vindo dos mesmos cabelos,

o cheiro de shampoo de hotel

falando comigo sobre a vida e

sobre as ferramentas usadas

para pesar o ouro – em vila-rica – você

tentava acreditar em B., quando disse, ontem, no quarto de hotel,

que as coisas pareciam ainda mais

“normais” – isso

não no congresso

de historiadores mexicanos,

mas em num livro

que era um romance

e ficava p/ trás, agora –

a gente pode falar de reflexos

e dos parafusos no chão, com os quais

eu deveria ter tomado cuidado

mesmo que a linguagem, nesse caso,

(mas não só nesse)

parecesse assim

imprecisa

e mesmo

que eu já tivesse

colocado os óculos e então pensado

sobre as manchas de sol na manhã – não sobre esta ou aquela
em especial, mas as que sobre
os seus ombros e pernas

crescem

conforme a música

(elas iam de dentro pra fora e depois de fora pra dentro) e ninguém sabia
como tudo iria
se desenrolar – perfeitamente,

como crianças

que ainda não falam a mesma língua, por exemplo, mas sentem, mas

por que você fala tão alto?

e com palavras que eu ainda não conheço?


tyr entre os matrinxãs


you’re so tired of being alone é o que diz
al green na tua timeline

é o que dizes num quartinho de hotel na cidade
que nos custa dez reais
por hora

a visão do teu corpo ainda flutua
sobre a avenida getúlio vargas e seus oitis
sobre o vermelho-romã
das águas cheias
           de cauxi

às quatro da manhã
i’m so tired of being alone, também

mas do porto ao caos não leva tanto
do porto ao caos não leva tanto dos teus versos sáficos
não leva ao caos nem às catracas térmicas
e não leva
sobretudo
                 aos mercados de frutas neon onde nem lorca nem whitman
compram mais nada

não se vendem poemas aqui
nem pêssegos nem penumbras
nem obscuridades gratuitas

no quarto 108
não exercitas mais nada
muito menos os músculos
da tua alma

e como um jaraqui tentando ficar
nos banzeiros de um rio preto
ou num barco à motor
és o próprio tyr entre os matrinxãs

e como todos os seres maravilhosos
como Maximilian de Malmö

tens de morar a 2854 km dessa minha cidade triste e de suas partes de barco de mar
sem sol
onde faz frio e não temos as formas das nuvens
que o céu pulmonar da tua cidade-mãe tem

ao menos é o que dizem os avisos luminosos

é o que diz o teu corpo esculpido com runas nórdicas querendo ficar

é o que dizem os peixes do rio e os peixes do mar quando colocados contra a parede dum bar punk na periferia das grandes cidades do Norte

é o que diz dante tatuado em inglês
no teu abdome magro


Boston

sentamos à mesa na calçada de um bar
em botafogo
eu te esperei talvez
10 minutos
e você chegou com os cabelos mais compridos do que da última vez
um pouco mais encaracolados
talvez mais escuros, no ombro

a cor da sua pele talvez estivesse mais clara, por falta de sol, e o copo
de chá gelado à minha frente
suava –

você chega de boston
com as roupas de boston
um sorriso de boston e os olhos
um pouco mais tristes, por trás dos óculos
de boston

é só o meu horário de almoço
e temos ovos fritos
à nossa frente
cogumelos, torradas

muito tempo sem se ver

escrevo algo na primeira página de um livro
novo e comento que a poesia me aburre, atualmente, toda
a poesia por isso
você me convida
a ir à boston –
eu tiro o seu retrato enquanto você
folheia
o livro aberto à sua frente e jamais
saberemos quando
nos encontraremos de novo
se em Boston
ou no sul
do nosso próprio país

(o autoexílio
você diz
é uma escolha ainda mais difícil)

eu me pergunto
o que veio antes
a possibilidade de fechar os olhos, através do sutil movimento das pálpebras,
ou a vontade
de abrir ou fechar os olhos, de não ver algo
que está bem a sua frente

como você está agora
enquanto diz sobre os boys de boston
ou do rio de janeiro
em vez de falar sobre o que está bem diante de nós
sobre sua tradução dos poemas de Lorde
em vez de admitir que estamos bem diante
de nós

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