Luíza Lima de Matos nasceu em Itabuna, no interior da Bahia, em 2002. Quer ser maquinista, é poeta e estudante de Letras. Inédita em livro.
OS BEBÊS PELADOS, AS SENHORAS, OS MENDIGOS E OS DEUSES
Os bebês e os moradores de rua
ficam pelados em praças públicas
estão sempre a contar histórias
são pouco escutados e sentem fome
Os deuses e as senhoras que não saem de casa
acreditam conhecer todos os pisos,
amam gatos, ambrosia e decoração
e, quando falam, costumeiramente
rompem o silêncio que nos fascina
Aos vinte e um, acreditei estar mais próxima dos deuses
e das senhoras que não saem de casa
que dos bebês e dos moradores de rua
Não que eu não fique pelada em praças públicas. Também não
por me escutarem ou por sempre e felizmente
me embuchar no restaurante universitário
Eu sempre estive com a minha avó, em casa. E vi poucos deuses,
muitos eram tristes. Assim acreditei, cada dia mais, ser como
os deuses e as senhoras que não saem de casa
Eu ainda não havia percebido que todo poeta como eu
e não sei como escrevemos com esse salário mínimo
estava mais para uma senhora
pelada na praça vazia
preparando sopas
de estrelas
cruas
HIEROFANTE DE CALCINHA VERMELHA
Ele se vira e você é coruja
vermelha, usando calcinha
Ele não sabe nem o seu nome
E você
entre cometas pirulitos
e borboletas adivinhas
só pensa em sua boina
Você voa, hierofante,
com capa de herói barato e tudo
Não me surpreendem
os laços no cabelo,
o coração elétrico,
esta sua cara de fome descolada
Te faltam duas colheres de sopa
e um túnel
que se desdobre a cada fim
em jaquetas vermelhas e saias jeans
Chegamos ao final
venha dar tchau ao seu emprego
que voa agora verde escuro
Eu sei,
os dias estão quentes demais
para esta coleção de fósforos
Mas uma pedra atirada dentro do fogo não tem medo do frio
SEIS CEGONHAS NO TAROT
Um pedaço de sol caiu sobre mim
ao meu primeiro choro. Ao meu lado,
treze garotas recebiam pedaços distintos da lua.
Beijamo-nos, ao que renascemos
seis vezes. Construímos cidades
de pena de galinha e água.
No quarto escuro,
uma raposa me olha e ri
deitada enquanto escrevo.
Ela carrega em seu pescoço
o voo mágico da morte.
Ela o oferece para mim
em troca do meu tornozelo esquerdo.
Não escutei as trombetas,
não fui recebida por Deus.
Um bode do mar
foi o nosso companheiro
alimentamos a casa de Vênus
banhamos os pés da Via Láctea
louvamos a mortalidade das estrelas.
A raposa me olhou uma última vez,
nós duas sabíamos que era a última vez,
e, ao meu toque, se transformou em chuva.
Ela renasceu. Apenas para desaparecer.