Maria Dolores Rodriguez é experimentadora de diversos suportes artísticos, principalmente por meio da palavra-corpo-imagem. Poeta, professora. Mestra e doutoranda em Literatura e Cultura (PPGLitCult/UFBA).
PARA UM COMUNISTA NEGRO
o seu olhar mira
os seus próprios braços
e vê a força de trabalho
explorada
naquele encontro do
centro acadêmico,
disseram uma vez
que deveríamos
comemorar
a força revolucionária
que teria nos impulsionado
neste último século
e você ficou em silêncio
quando só mencionaram
homens
brancos
do
continente
europeu
não me interessa a revolução russa,
quando Palmares
é apenas uma
fantasmagoria
que
eles julgam
ser
um delírio
de um povo
caduco
pra quem diz
resistência
e não cita
o nome de
todas as mulheres
perdidas
nos corredores,
cozinhando,
passando e
dizendo “não”
em todas as casas de
todos os
revolucionários
que estampam as suas camisas
aquela autora branca disse que
o capitalismo só
foi possível
porque há a exploração
de uma condição
de mulher
forjada
na circunscrição
ao ambiente doméstico
responsável por
parir&cuidar&
lavar os pratos
enquanto os homens
faziam de si mesmos
o paradigma
o centro
enrustidos de
uma heterossexualidade
compulsória
o seu olhar mira
e não olha,
e embora
a sua mãe seja
preta,
você parece não
achar
nada de revolucionário
no modo
com que ela vive
nesses
56 anos
no subúrbio ferroviário,
o seu olhar, você inteiro,
parece acreditar
nas ausências
da sua teoria
revolucionária
ISTO NÃO É UMA ASSEMBLEIA
você diz amar as ovelhas
e o pasto
até mesmo as pedras
te comovem
você diz
mas não enxerga os
meus olhos cansados
meu pescoço pendendo cabisbaixo
como se em mim
tivessem plantado e germinassem
todas as culpas do mundo
você diz amar a arte,
o abstrato
e também a concretude de certos poemas
mas o meu silêncio
não te posiciona
num estado tal de observação
do mundo e da natureza
onde você possa olhar pra mim,
as ovelhas
os rios contaminados
o mar assassinado por petróleo
e o céu escuro das três horas da tarde
e ver semelhança
natureza humana te assusta
mais fácil mirar na lúgubre tez
de uma estrela que já não resplandece
do que amar a esperança que há na
luz que me encandeia e que se apaga
lentamente
esse delírio animal que me toma
num devir abissal de ser bicho
planta, vegetação, água e mineral
calhou-me sê-los,
todos os indícios do natural
e, no entanto, ser apenas gente,
sem ativismo e sem remissão
como uma outra: um outro estado de coisa.
PARA LOBO DAMASCENO
poemas são coisas pequenas
grandes são os sustos
os desenlaces
das ondas
que mordem nossos pés
sedentos de sal
poemas são coisas pequenas
grande é o Filhos de Gandhy
grandes são as cobras corais
das trilhas
de qualquer lugar
recôndito
na chapada diamantina
poemas são coisas pequenas
grandes são a vontade,
a fome,
a gana
poemas são coisas pequenas
Amei os poemas!