3 Poemas de Tiago Alves Costa

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Tiago Alves Costa (Vila de Nova de Famalicão). A sua obra foi publicada em Portugal, Galiza e Brasil. Mecanismo de Emergência (Através Editora, 2016), Žižek Vai ao Ginásio (Através Editora, 2019 / Macondo Editora, 2020) ambas receberam a Menção de Honra no Prémio Internacional de Poesia Glória de Sant’Anna. Integrou várias antologias entre as quais se destaca a “Antologia de Poesía Iberoamericana Actual”. Encontram-se poemas seus em diversas revistas (Ruído Manifesto, Literatura Fechadura, Cintilações III, Revista Logos – Biblioteca do Tempo Nº8, Sem Equívocos, Luzes, Caliban). Em 2021 estreia-se na escrita para teatro com a peça “Cubo” produzida pela companhia galega “Elefante Elegante“. É co-director da revista digital de Artes e Letras Palavra Comum. É membro da Asociación de Escritoras e Escritores en Lingua Galega (AELG). Vive na Corunha desde 2009


PALAVRA-POETA-DISTÚRBIO

O poeta avisou:

Antes de me conhecerem, devem primeiro conhecer as minhas palavras.

Então as palavras entraram na sala e o poeta ficou do lado de fora, à espera.
No seu interior as palavras começaram a desconstruir o que havia à sua volta.
Aos saltos, sobre as mesas, gritando, despindo-se e com esgares de loucura
executando jogos do empurra com os presentes.

Tiveram de chamar dois críticos especializados na área
que não conseguiram entender as palavras, debelar o problema

Chamaram então a polícia.

Algemadas, as palavras saíram da sala sobre o olhar cúmplice do poeta
que ali estava sentado na sua melancólica calma, proferindo:

  se ainda desejarem, posso agora falar um pouco de mim


O FIM DA LITERATURA

Há escritores que escrevem para que outros escritores deixem de escrever.
Há escritores que deviam deixar de escrever e que por soberba ou falta de dinheiro
nunca deixam de escrever e tornam-se eles em escritores que escrevem
para que outros escritores deixem de escrever.
Há leitores que quando se apercebem que os escritores nunca deixam de escrever,
e que tudo não passa afinal de um mecanismo contínuo e eficaz de aumentar
o número de escritores no mundo, deixam de ler, e passam a amar o rosto dos escritores.
Há escritores que passam a dedicar-se somente ao seu rosto.


CICLOTÍMICA ARTE DE SER PORTUGUÊS E/OU POETA-MORTO

Mas é poeta?

Sou português. No entanto não quero com isto dizer que não tente representar-me como um autor de desconfianças. Um inquilino de mim mesmo. Um poeta com todas as contas por pagar. Um empregado das palavras, portanto. Alguém que escreve de olhos fechados ou sem aquecimento prévio; sem pensar, como é óbvio.

Mas é português ou é poeta?

Ser poeta está obviamente naquilo que eu considero ser digno de me representar como português. Mas é muito mais complicado e sensível do que imagina. Ser português foi condição a que naturalmente me obriguei por natureza. E estudei muito para isso! Estudei aquilo que me faltou de algo que nunca quis deixar de ser pela minha vontade de querer ser tudo. Parece-lhe confuso? É mais simples do que parece. Digamos que ser poeta foi algo que inventaram um dia para eu poder passar na porta de um bar onde só era permitia a entrada a estrangeiros; estrangeiros, diga-se, com um bom comprimento de onda. Com um bom nível de altura.

Imagino então que esteja desempregado?

Morto-Vivo.

Como assim?

Ao estar desempregado estou morto para o mundo; vivo dentro de mim, à solta, em aparente liberdade. Como um bicho doméstico.

Vive muito então?



Žižek Vai ao Ginásio (Através Editora, 2019 / Macondo Editora, 2020

1 comentário em “3 Poemas de Tiago Alves Costa”

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