4 Poemas de Rëys Moreira

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Rëys Moreira nasceu e vive na cidade de santa Catarina|Cabo Verde. é um Crónisiasta e técnico de T.I. Publicou o livros ‘’ A Rainha e Os Dez Reinos -Crónisias” (Crónisias. edit, 2019), Autor do poema “António Moreira”(2020) e Participou da exposição de arte & escrita criativa e do catalogo “Meu lado Feminino” (Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro, 2020). Fundador da corrente literária Crónisias (escrita criativa que mistura crónica e poesia) que reflectem as vivencias e o mundo imaginário de um típico corpo negro no mundo.


ANTÓNIO MOREIRA

Vejo
Pés descalços à volta da fogueira
Lua nova lacrimejando entre as lenhas

Ainda
           Ainda oiço
O batuque emanando das cordas vocais da despedida
O vento despindo as nossas tristezas
Com o soar do tambor da alegria

Levanta-te
Levanta-te! António
Essas terras já não, e nunca serão nossas
Não herdaremos os frutos do nosso esforço
Porque somos filhos bastardos da inocência

Levanta-te! António
O meu corpo já não estremece com o ferro e a gaita
A minha voz já não canta a fome e a fartura
O batuque
                O batuque morreu nas mãos calejadas
Da última santa da Ribeira dos Engenhos.

Levanta-te
Levanta-te! Meu filho
O galo já despertou a nossa inocência
No raiar do próximo luar vamos partir para longe
Longe, longe
Longe desta terra
Longe deste céu,
Com a jangada do destino
Navegaremos além
Destas águas que nos aprisionam.


DELÍRIO É LIBERDADE

HOMENS ESCRAVOS… DELÍRIO…LIBERDADE


A liberdade morre livre
E o homem morre em busca da liberdade,
Por detrás das grades do destino
Revigorando os olhos, pergunto-me: E eu?
Sou, ou não sou?
Negro livre
Negro escravo do destino?

Banhando com o suor do sol
Marcho em cima dos sonhos que brotam do concreto,
No cair das faíscas do medo
Ofusco-me no delírio da senzala,
No silêncio da minha desilusão
                                                                     Aspiro e medito
Nos rabiscos da agonia dos meus antepassados
Negros livres
Negros escravos do destino

Entre as minhas cordas ainda se pode ouvir
O resmungar da guitarra
Ressoando o silêncio, a independência e a morte

Entre as minhas cordas ainda se pode ouvir
O sussurro da voz do escravo
Que em silêncio grita, grita… grita!

“Quem foi o louco
Que gritou a minha liberdade
Aos quatro ventos?
Quem foi?

       Quem foi?
                          Quem foi que rasgou a minha carta de alforria? …

Quero estar enclausurado,
De que estar livre e sentir-me preso nesse reflexo abstrato”

Ser feliz é ser livre
Ser livre é ser como o som da guitarra
Que empurra o vento com o odor do medo

Ser feliz é ser livre
Ser livre é ser como a guitarra
Nos braços de um vulto qualquer
Dançando a rapsódia da morna da liberdade

1
Preso na corrente da ignorância
O povo dança, dança
A independência
A indecência do corpo

2
Preso na corrente da ignorância
O corpo dança, dança e canta
A indecência
A independência do povo


CIRCUNCIDANDO A ALMA

A ÚLTIMA PEREGRINAÇÃO

1
Não estava sozinho
Atrás de mim vinham gentes
Crianças
                 Padres
                           Mães
                                      Uma multidão de discípulos de barro

Os cânticos retiniam e preenchiam o vazio da rua
O amarelo das lanternas bailavam entre os nossos vultos,
No silêncio dos choros, o vento bradava o seu testemunho.

E
As pedras?
As pedras testemunhavam a nossa peregrinação
Em baixo dos nossos pés
Elas vestiam a sombra do nosso luto

E
A lua?
No ventre da Cidade morta
A lua velou-nos com o seu véu de prata,
Ela caminhava de face em face,
Dando vida as lágrimas
Das Ruas frias

2
Na caixa de madeira avistei o defunto
Pálido e feliz como a aura da noite,
E a mulher chorava lágrimas de sangue

E
Os filhos?
Os filhos aos berros condenam deus
Pelo desacato do karma


3
Tudo morre, e quando a noite morre
A lua arderá no fogo do nascimento.
A morte nos fascina!
E a beleza do fim é o consolo do nosso sofrimento.

“Corta
             Corta o umbigo e liberta
O folgo nas entranhas desses meninos
Magros e cegos
Que seguem os nossos passos“
(Berrava o mendigo, sentado a minha esquerda na soleira da igreja)

4
À minha direita, eu vi
O homem que fez o sinal da cruz,
Apalpando o ceio da virgem

E
O Cristo?
O Cristo sangrava os nossos pecados,
Lágrimas com gosto de vinagre
Cai dos olhos dos santos

Quanto mais eu olhava
Mais eu me perdia naquela multidão.
Entre sorriso e lamento
Uma velha inimiga do tempo acariciou a minha face sussurrando-me:
– Não olhes para traz
Os olhos,
Os passos
Já não são teus.

5
Mas tudo que os meus olhos enxergavam
Eram tão reais,
Contraindo as palavras da velha

E
Os passos?
Já não sentia o meu corpo,
A psicografia das palavras sagradas
Encenavam os meus passos,
Tudo em mim pesava
Até o ar se tornou um fardo para minha sobrevivência

E
A vida?

A vida
Pulsava de olho em olho
Como chama no seio dos pecadores,
Aqueles que rezavam
Ficaram cegos pela luz da fé

E
Aqueles que pecavam?
Não há pecado no corpo
O corpo é o próprio pecado
Reencarnado a semelhança de Deus

E a alma?
A alma é o retiro dos sábios
O último sepulcro do homem.


SIN(MONI)FONIA

CIDADE ESCURA
Quem nasce do ventre da lagrima
Nasce vivo
Como o teor da sinfonia da cidade,
Nasce e morre
como
O vento que embrenha as notas musicais
Nas vigas e alicerces da minha agonia,
Olha nos meus olhos!
Raios lunares fustigando
O teor da sinfonia da cidade escura
Olha o meu corpo!
Curvas magras
Olhos negros
Carregando o cantar do tempo
Hoje o eu nu, canta e canta aos surdos
Os cânticos da minha inocência
O silêncio
                       O Gemido
                                         A morte
As lágrimas
Caem de olhos vivos que refletem sonhos mortos

Do ventre da minha sin(moni)fonia nasceram
Filhos delgados cantando
Partituras solares
La
Sol

De O Sol nascer nua nos meus devaneios
La
Sol
la
Onde os meus pecados morreram no escuro da minha alucinação
La o nimbo do meu sol chegara ao fim
Sem tocar no pecado que veste as vertigens do meu medo..

4 comentários em “4 Poemas de Rëys Moreira”

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