2 Poemas de Tarso de Melo

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Tarso de Melo (SP) É poeta, advogado, professor, doutor em filosofia e teoria geral do direito pela USP. Entre vários livros lançados, sua poesia está reunida no livro POEMAS: 1999 – 2014(Dobra, 2014). Mantém o blog Contra Tanto Silêncio: tarsodemelo.wordpress.com

 

Fúria

chega um dia em que o concreto cansa,
o aço depõe suas armas, dissipa os vidros,
desatam-se os nós impotentes da madeira,
cordas, cabos, correntes desistem da tarefa,
o plástico não se lembra de suas obrigações,
o mármore dobra sob nossos pés e levamos
a ponte pouco a pouco em nossos pulmões.
um dia, é a cidade inteira que se aconchega
maligna, no vão livre de suas costelas

 

Natural

O jogo está perdido, Doni, e não me venha dizer
que a morte é natural. Natural como a morte do cão
sob as ranhuras de um pirelli, natural como o corpo
que não levanta quando tudo na cidade grita, natural
como o corpo que não acorda mais e não permite dormir,
natural como a carne aderindo invisível dia após dia
às solas multicoloridas que pulverizam o estrago
que, insistentes, fazemos uns dos outros, uns aos outros.

Não há mais jogo, cara, não há mais partida. Voam
sobre nosso espanto o resto de uma conversa que
ninguém mais vai interromper e o vulto inquieto
de tudo o que não dissemos sob tudo que foi dito.
Sem asas, os pássaros sobreviventes vão andar
entre seus versos sem saber se já não é deles a pasta,
a graxa, a prancha em que tanto voo se transformou.

Deixe assim. Uma palavra a mais não dirá nada.

 

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