Adri Aleixo, nascida em Conselheiro Lafaiete (MG), residente em Belo Horizonte (MG), publicou Des.caminhos (2014) e Pés (2016), ambos pela editora Patuá. Em 2019, publicou Das muitas formas de dizer o tempo, pela editora Ramalhete. É professora de Linguagens e doutoranda em Literatura pelo CEFET-MG. Poemas da autora podem ser encontrados em vários sites e revistas literárias.
Não incomode o casal que se ama
de manhã
enquanto a cidade dorme
e o martelo ainda não bate
seu cântico de certezas
deixe livre as forças que operam
luz e sombra
língua e sal
também o casal é só espanto
recém saído
de uma ressaca de mar sobre a pedra
a essa hora tudo no casal é displicência
palavras arfam o entorno do quarto
deixe-os um pouco mais
às nove
quando tudo inicia
e eles remotos
ainda descreem
deixe-os a sós
depois de andarem apressados
entre vidas, telefonemas, pavuna
deixe-os no espaço do silêncio
entre os rizomas da casa
onde tudo que gritava
agora é congruência
Ycatu
meu corpo reage
ele não deve entender
porque seu corpo não está aqui
a falta que faz
sou excessivamente nostálgica
chego a acreditar
que se tocar o chão da sala agora
molharei o sofá
Fotograma
é um rito
um silêncio
um grito
e não há mais vento
há um alicerce de palavras me perdendo
Pupa
daqui a pouco estarás bêbada
à beira,tremelica
não se sabe ainda azul ou amarela
é dia
e precisa roubar
instantes de alegria
é verdade,
a vida lhe dará
tão pouco
alguns liquens e musgos alucinógenos
para escapar da fome
dos pássaros
e ébria
poderás, portanto
desvencilhar-se da pedra
e da perda
vem, então
encosta-se à mesa
toma à boca
a taça
e recompõe o voo
Herbário
pensa um jardim para tua cabeça
o modo de preencher espaços
desejantes
e não segure o choro
até o fim da aula
até o fim do dia
até o fim do poema
encharca tuas raízes
de cima para baixo
represadas estão tuas dores
essa mania de estancar
está atacando o pâncreas
vá, já é noite,
chora tuas flores ressecadas
compõe teu herbário
e sonha
