5 Poemas de André Maia

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André Maia é ator e poeta. Autor do livro Algumas Distâncias Percorridas (Editora Quelônio). Foi aluno, em 2023, do CLIPE – Curso Livre de Preparação de Escritores.


PARQUE DA LUZ

Um homem mede hora
Em digitais erráticas

Uma mulher varre a chuva

Ele passeia o garfo pela sopa
Salpica condimentar seu turno

Ela fuma da mancha de batom
A gagueira dos nomes

Ele é o melhor amigo do cão

Ela reitera seu valor
Prenhe de miados

Nascem dos fósforos
As sombras


HISTÓRIA NATURAL

não tenho filhos
(se ainda terei
é um problema do futuro)

mas hoje me fiz reparar
graças a dois poemas que li
na menina que é um cacto
e como cacto retém água
na fralda que lhe aperta
a pele áspera

exposta é já grandinha
grandinha vende
drops mentol
ao sabor do meio dia

do pai não se sabe
(já disse que não tenho filhos)

a mãe alimenta de um peito
a irmã, o outro seio resguarda
a mão atrevendo espinhos
no costado do entra e sai
do banco do brasil

o país do futuro

(se está o futuro
na fila dos inadimplentes
se se entedia na papelada
entre pilhas de veias
sempre abertas)

é certo não há de ser
problema de ninguém


ATRAVÉS DA NEBLINA

amanhecer nem sempre é estar desperto.
no céu há nuvens e aviões, centelhas business
massificam o ar. o trem ao longe atrita o ferro.
restringe forma aos corpos acometidos de função.
a casa aduz atávica suas tecnologias.
no fio de corte um anjo blindado retifica o fruto.
em constante de ruínas respira o pão
nossos anseios. pela rua a fome assobia um samba.
fome e samba espiralam-se país.
a noite goteja o que extrai do pó,
e o céu promete desabar sobre placas de vende-se.


HISTÓRIA DA ETERNIDADE

a palavra intermitência
aprende-se
na menor das espeluncas,
antiga como é antiga
uma cidade
com seus lugares aos quais
a memória pertence,
do barbeiro corpulento
cujo cheiro irreprimível
nunca mais sentiste
por mais que mistures
maresia talco água de colônia
e um cigarro sempre aceso
“algo de diferente pra hoje meu jovem?”
o segredo da clientela fiel
uma coleção desatenta de revistas
eróticas
empilhadas sem cinismo
para devaneio da pubescência
numa mesinha no centro
da espera
cúmplice dos banhos longos
e conhecer a todos
e papear sobre tudo
o rádio sempre ligado
costurando com futebol e morte
o bordado repetitivo do tempo
e seus silêncios capilares.
a palavra intermitência se aprende
quando um homem morre
e a eternidade é um dia parado
no ano de 1999
mas os cabelos não param de crescer.


ESTE POEMA DIZ ADEUS

perdoem-me o entreguismo
mas as coisas são feitas do que são

como um caixote de feira é feito
de frutas e legumes, de mãos e músculos
de balbucios à sombra, de caminhos percorridos,
de livros e lps e luminárias

um caixote de madeira já foi uma árvore
e esteve vivo como estão vivas as coisas
ocultas e empilhadas nos depósitos
e a poeira em si pousa e os cupins lhe corrompem
as veias, como antes lhe pousaram
pássaros e lhe corromperam cupins
e é dispensado falar do vento, da chuva, do sol,
da irmandade do solo, das gôndolas, da chama
de um fogão, de pessoas sentadas ao redor
de uma mesa ou pessoas sentadas ao redor
de uma fogueira em caixotes de feira.

um caixote de feira, a vida dentro transportada,
com a forma de um caixote de feira
a caminho de uma forma ainda desconhecida,
e que, possivelmente, como uma obra de arte
feita com caixotes de feira, é outra coisa,
que não um caixote de madeira que antes foi árvore
e deu sombra ou guarida ou frutos ou folhas
mas a própria sombra, a própria guarida, o próprio fruto,
as folhas ao vento, o ruído dos passos, ou quem sabe
a situação dos carregadores de caixotes de feira
que não têm em casa caixotes de feira.

não sei se é assim,
o espaço é um desejo que se transubstancia
a memória também.

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