3 Poemas de Circe Maia (Uruguai, 1932)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils

Circe Maia nasceu em Montevidéu, em 1932, mas passou a infância em Tacuarembó, onde mora há cinco décadas. Quando fez onze anos, seu pai publicou os poemas que ela escreveu desde criança, num volume que chamou de Plumitas. Aos 19 anos sofreu a morte repentina da mãe, o que deixou marcas profundas no seu primeiro livro de poesia madura, publicado aos 25 anos. Descobre a poesia com os romances de Federico García Lorca, mas suas influências são múltiplas, entre elas a filosofia, que estudou e ensinou durante anos em Tacuarembó, especialmente os pensadores da antiguidade grega e a Crítica da Razão Pura de Kant; os labirintos de Borges e de Kafka.

É fluente em vários idiomas: inglês, francês e, com especial fervor, grego, língua da qual traduziu para o espanhol os seus principais autores e que também leciona. Os anos da ditadura civil-militar no Uruguai foram difíceis para sua família. Um dia, em 1972, os militares invadiram sua casa às 3 da manhã para prender Circe e Ariel, mas ela foi autorizada a ficar porque sua filha mais nova tinha apenas 4 dias de idade. Seu marido ficou preso por dois anos por fazer parte do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros. Em 1973, Maia foi afastada do cargo de professora pelo governo militar, mas conseguiu continuar dando aulas particulares de idiomas e prosseguir com os estudos.

Em 1983 perdeu o filho de 18 anos em um acidente de trânsito. Essa tragédia somada às dificuldades de escrever na ditadura a levou a um período de silêncio em seu trabalho poético. A publicação de Superficies (1990) marcou seu retorno à poesia e foi seguida por outros livros de poesia e suas traduções para inglês, grego e outras línguas. Lecionou filosofia no ensino médio até se aposentar em 2001, mas continua lecionando literatura inglesa em um instituto privado, prepara grupos de teatro em Tacuarembó, além de escrever e traduzir.

Plumitas (1944), En el tiempo (1958), El puente (1970), De lo visible, Presencia diaria (1964), Cambios, permanencias (1978). O primeiro livro que publicou já adulta é En el tiempo, em 1958, e seria seguido por Presencia diaria, El puente, Cambios, permanencias, Dos voces, Destrucciones, (poesia em prosa), Un viaje a Salto (prosa), Superficies, Círculo de luz, círculo de sombra, De lo visible y Breve sol. Alguns de seus poemas foram musicados, entre eles, “Otra voz canta”, musicado por Daniel Viglietti. Gravou também dois discos com poemas, Circe Maia por ella misma e Imagen final y otros textos.


VELOCIDADE CRESCENTE

Há uma
sensação de que os dias passam
com mais velocidade e que não há tempo
de muitas despedidas.

Soa uma voz, como de inseto,
por detrás dos dias
e detrás das noites
pequena bicada, mas que não para
quando queres ver, os dias se desmoronam
como se tivessem sido devorados por dentro.

(As mandíbulas invisíveis
dão cada vez mais velozes
dentadas.)


RAÍZES

Hoje de manhã
tivemos que arrancar algumas ervas daninhas
que estavam presas em todas as ranhuras.
Foram arrancadas as ervas
e ao sol as raízes ficaram tremendo
muito surpresas… e isso?
Da escuridão para a luz em um instante?

Morte invertida, rara:
da terra fechada e cega
ao olho azul, que a tudo atravessa.

Abrir-se a todo ar: perder-se.
Soltar-se a toda luz: também perder-se
dizem as raízes
tremendo.


ONDE HAVIA BARRANCAS

Mais uma vez surge da memória o golpe
do remo contra a água. Brilha o riacho e balançam
as folhas na sombra.
Observam olhos sorridentes, cabelos molhados. Acima
azul e sol e azul… Olha os troncos pretos
e quebrados, escuta a água.

Madeira quente ainda sinto na minha mão
e a cada golpe surdo que dá agora meu sangue
afunda novamente o remo em verde frio e algas.

Um caule firme e verde vinha janeiro alçando.
E vinham do vento, do amor, e vinham
da vida,
asas vermelhas e em voo, os dias de verão. Rema, remador,
e não dê ouvidos ao golpe
negro, do remo.
O golpe corta pequenos troços de tempo,
troços iguais, quase relojoaria
e pensasse que onde vão caindo
um golpe e outro golpe junto com o voo do dia.

Veja como escurecem as horas brancas
e de querer pará-las quase doem,
Caem na alma frios e cinzas
os golpes que deram na água os remos.
E atrás se pode ver a face tersa do rio
o rosto do verão, azul e liso.

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