4 Poemas de Amanda Berenguer (Uruguai, 1921-2010)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils

Amanda Berenguer nasceu em 24 de junho de 1921, em Montevidéu, Uruguai. Filha de Ángel Berenguer e Amanda Bellan, é sobrinha de José Pedro Bellan (1889-1930), dramaturgo, narrador e legislador do Partido Colorado da época, e de Carlos Giucci (1904-1958), compositor que fez parte do a Sociedade Folclórica do Uruguai, junto com Lauro Ayestarán e Eduardo Fabini, entre outros. Ambos influenciarão a vocação artística de Amanda. Com apenas 19 anos publicou sua primeira coletânea de poemas A través de los tiempos que levam à grande calma, e aos 20, [Canto Hermético]. Aos 23 anos casou-se com o professor José Pedro Díaz, companheiro de toda a vida e com quem teria um filho: Álvaro. Junto com o marido, monta uma editora na garagem de sua casa, onde publica os livros de seus amigos e suas próprias obras com o selo La Galatea. Este empreendimento, de grande influência na sociedade uruguaia da época, durou até 1961. Durante a década de 1950 conheceu escritores de prestígio: José Bergamín, Pablo Neruda, Paul Eluard, Tristán Tzara, entre outros. A sua obra, uma produção incessante e inovadora que a fez transcender as divisões geracionais, foi traduzida para vários idiomas e incluída em inúmeras antologias de poesia latino-americana. Faleceu em 13 de janeiro de 2010, aos 89 anos, em Montevidéu, Uruguai.

*****

[…] As palavras da obra de Berenguer são matéria: matéria evidente quando nos poemas cinéticos de Composición de lugar (1976) sobem pela página ou criam espaços tridimensionais com cores que contrastam e dão profundidade ao branco, mas também quando são expostas como coisas, separadas entre barras ou travessões (herdados de Emily Dickinson, que ela também traduziu) e, arrancados de seu habitat natural, exigem um olhar sob uma nova luz. Em seus momentos mais deslumbrantes, Berenguer leva isso ao extremo: persegue a palavra, a conduz como num fluxo musical pelo poema, arrasta-a nos versos, tira-a e coloca-a em diferentes contextos, como faz com seu próprio nome numa peça cujo título é um verso de Isidore Ducasse, Conde de Lautréamont, e que termina: “sou Amanda / e vou em direção a Amanda sem destino / apátrida / perseguida por um moscardo dourado / no meio da púrpura / de um teimoso e contínuo / assassinato de Amanda.”

[…]

Em carta enviada a Circe Maia no final de 1976 (e recuperada por Ignacio Bajter no quinto número da revista Lo que los Archivos Cuentan), logo após publicar Composición de lugar, Berenguer escreve para a poeta: “Não temos mais que as terríveis palavras, deliciosas palavras, tão enganadoras, tão sereias do fundo do mar” e “A superfície da palavra, a superfície da voz, a superfície do branco – É com isso que trabalhamos”, dando conta das diversas formas que assume sua obra, que vai da palavra despojada às suas experiências com a espacialidade da página e da tipografia, e daí ao trabalho decisivo com a voz, evidente por exemplo no seu álbum Dicciones  (1973), em que há uma consciência do som que fica evidente desde a introdução, na qual adverte para o possível desconcerto que o ouvinte pode sentir ao se deparar com essas investigações que transitam entre a declamação e o canto, e que a poeta recomenda ouvir mais de uma vez.

FRANCISCO ÁLVEZ FRANCESE


COMUNICAÇÕES

Urge o pensamento conectando
sentem? alguém nas entrelinhas?
errata? parêntese? que signo?
escutam?
(A clareza da linguagem
mal tem
a intensidade ambígua do poente)
Estamos aqui, atirados na noite
terrestre, comprimidos,
aqui, na noite terrestre, aqui
na noite terrestre.
Novamente o fio
o cabo quebrado, o deslumbrante
curto circuito.
Não ouvem? Não se ouve?
Minhas palavras, insensatas,
feitas de furor e de loucura,
quantiosa textura negra
a borbotões transbordando
para dentro, em direção
ao fundo
interpolado de rígidos pirilampos.

Treme e pisca, faz sinais,
todos são vestígios da eternidade,
enumerados e prolixos,
chifres de caça, para o mundo
uivos de cães, está o deserto,
toques de perigo, inutilmente,
passos trocados, onde?
sinos para nevoeiro, uma pele fosforescente,
pedidos ajuda, e envenenada,
sirenes de patrulheiros, chamando,
gritos de alarme, sozinho, sozinho, sozinho,
buzinas de ambulância, está ficando tarde,
quero saber se já é tarde.

Um código de emergência,
um copo de água, um osso
para a inteligência,
um alfabeto de chave radioativa,
ou telepática, ou nuclear,
ou uma substância de amor
para esta extrema localização,
25 de abril de 1963, outono,
na minha casa, hemisfério austral,
aparentemente à deriva.


O CONVITE

Um lugar de sombra, um poço vivo
grasnando como um pássaro violento,
às vezes me aparece nas horas incertas,
para a alba fria, espantadora de outras
criaturas, e me empurra novamente.

Porque estou demais entre os seres
que usam a alvorada, estou de sobra,
triste ao lado da mesa recém-posta
da ressurreição. Ah! não poderia
ao meu capricho domar a angústia,
até fazer sangrar a alternativa
de uma estrela brilhando sobre o dia.
Talvez vou entre sonhada e morta,
arrastando uma história onde treme
a cabeça moribunda da lua,
mas uso o anel, aquela coroa
do outro reino, para não me esquecer.


PAISAGEM

Uma estrela suicida, uma luz má,
pendurada, nua, no céu raso.
Sua coroa fechada talvez sangre.
Acaso seu reinado é este instante.
Crescido o mar debaixo da cama
arrasta os sapatos com meus passos
finais. Arrancam as árvores vivas
um esqueleto meu do espelho.
No telhado os pássaros que voam
de meus olhos brilham fixamente.
Talvez eu não fique sozinha para sempre.
A mesa range sob o peso usado
das folhas secas. Um vento para dentro
fecha a porta e a janela e abre
de repente, entre cadáveres, a noite.
Também meu coração. Estou indo, escuridão.


VIAGEM

Eu certamente estava empoleirada
nos finos ramos à prova de astros
desprendidos ou maquinais satélites
cavalgando sobre o lombo
de um estatuto burguês
―pelo menos me pareceu― uma rama
do paraíso penúltimo do medo
tão parecido era com o cavalo
que quando menina galopava
à tarde entrando na noite
através de uma porta falsa que se abria.

Vamos eu disse galope de novo
até a sombra vamos
a dar meia volta a dar-nos meia volta
a volta eu disse agora determinada
para a outra cara de nós
pisando nas folhas do outono reincidente
companheiras de estação e solidárias.

Quando deixamos palavras endividadas
e o velho pensamento misturado
com a terra removida
e caminhamos sem parar por um tempo semelhante
ao da vida
os outros murmurarei nós
nós comecei a gritar despertando
amor e fome
enquanto cruzava a linha divisória.

5 comentários em “4 Poemas de Amanda Berenguer (Uruguai, 1921-2010)”

  1. Amanda Berenguer, uruguaia, mais um nome na lista de poetas hispanoamericanas, que faz numero com tantas outras poetas de peso, nas quais acrescentaria da nossa parte brasileira o nome de Cecília Meireles, sem deixar de citar tantas outras brasileiras que fazem parte da opulência da nossa cultura literária.

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  2. Vixe… Poderosíssima poesia, a da Amanda Berenguer!!!! Grande poeta. Tocou no fundão da alma… Ressoou em mim, acrescentou pra minha visão e na minha poesia.

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  3. Não conhecia a poesia de Amanda Berenguer. Devo confessar que amo poesia, declamava para meus alunos Neruda, nas aulas de Literatura. E também outros. A poesia assim, tão despojada de compromissos com alguns pontos essenciais( ritmo, por exemplo) , deixa o leitor um tanto frustrado com o sentido que Não está lá, mas que está! Só que o canto cifrado não permite deleite! Sinto a sinceridade; mas poesia não é unanimidade. Ao contrário.

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