5 Poemas de Claudio Daniel

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Claudio Daniel é poeta, romancista e professor de literatura. Nasceu em 1962, na cidade de São Paulo (SP). Cursou o mestrado e o doutorado em Literatura Portuguesa na Universidade de São Paulo (USP). Realizou o pós-doutoramento em Teoria Literária pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi curador de Literatura no Centro Cultural São Paulo e colunista da revista CULT. Publicou diversos livros de poesia, ensaio e ficção, entre eles Cadernos bestiais: breviário da tragédia brasileira, Portão 7 e Marabô Obatalá, todos de poesia, e os romances Mojubá e A casa das encantadas.


À MANEIRA DE KLIMT

I

Acende a noite de palavras
Paula Tavares

Meia-lua para iniciar um poema;
letra v entre as coxas
erguendo relâmpagos.

II
A mulher é infinita
Yasunari Kawabata

Considere esta jovem mulher deitada,
a mão direita
entre os joelhos
e o antebraço (esquerdo)
na altura das pupilas,
Ariadne em Naxos.
Logo inverte a posição,
estica os tornozelos
e desenha pequenos círculos
imprecisos
com os pés,
mapa de um labirinto?
(Dríade, convoca a mitologia dos lábios
para abolir a noite.)
Súbito, sua mão escorrega
até a pirâmide invertida,
após acariciar o umbigo,
como se violasse
o silêncio
de uma pétala.
Anoitecer em ti,
percorrê-la
em cada poro
mínimo:
de uma estrela
a outra estrela
de teu céu
indecifrável.


Á MANEIRA DE MUNCH


— um
puro gesto
em verde
inexcedível
de fúria
que se consome
em silêncios
de aridez
contida
e se avoluma
em voláteis
ondas
sobrepostas
a ondas outras
a ondas mais
num mar
de imenso
mistério.


CASULO


Desnudar as tetas
à maneira da libélula
saindo do casulo;
à maneira da lágrima-
de-cristo que floresce
no jardim, em pleno
outono; como o salto
acrobático do peixe
em um lago japonês;
como a explosão
de uma estrela.


COLEÇÃO


Mamute siberiano
não me fascina
tampouco
peixe-lagarto
fósseis vegetais,
sílex araucanos.
Preservo
no laboratório
pequenos frascos
onde conservo
em formol
minha coleção
inusitada:
fascistas,
racistas,
neoliberais.
Escrevo os nomes
de cada um
em rótulos afixados
aos vidros
para estudar a insanidade.


EM KIEV


Há mulheres que são árvores.
Elas não têm mais pele,
carne ou ossos;
não têm mais braços,
pernas, olhos;
elas têm apenas a dor.
Rostos pintados de azul,
flageladas por fascistas,
amarradas em postes.
Elas não são mais mulheres:
para os bárbaros,
são árvores, coisas, nadas.
Mas elas se multiplicam
em ondas de raízes aéreas,
braços oníricos,
olhos como nuvens,
que dizem não
a Hitler, a Zelinsky,
à Divisão Galícia
ao Batalhão Azov,
à escória infame;
elas não são mais mulheres;
são sementes
de outro possível amanhã.

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