5 Poemas de Daniela Cassinelli

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Daniela Cassinelli (Rio de Janeiro, 1997) é escritora, artista e arte-educadora. Foi vencedora do Prêmio Off Flip de poesia em 2021 e teve seu primeiro livro, â.ma.go, publicado pela editora Escaleras em 2022. Publica poesias íntimas em seu blog: danielabcassinelli.blogspot.com.


[OS CARROS]

Os carros,
à distância,
contra a luz
que reflete
a baía,
parecem
formigas
velozes
no formigueiro-
cidade.

As vias
parecem
veias,
por onde
o sangue
maquinal
escorre.

Enquanto avanço,
aos trancos,
nos flancos
de um ônibus,
a baía se estende,
impassível,
tocando
o horizonte.

Intemível,
ela repousa
em um silêncio
que inunda
o barulho
dos carros.

Basta abrir
os ouvidos:
lá estão
os sons
longínquos
das baleias.

Mensagens
subaquáticas
que só
o sonho
decifra.

O sonho:
essa criatura
marinha que
nos invade
o sono
e deixa
seus rastros
ao longo do dia.


[SANGUÍNEO]

Sanguíneo
o órgão pulsa
pirilampeando
na escuridão
do corpo.

Entre as sílabas roucas
que me escapam
pelos poros:
endocarpos,
escápulas,
coração catártico.

No ritmo das perdas,
consolos, afagos,
dos lutos lentos
escorregando
pelas veias…

No bater incansável
do tambor vermelho,
a vida jorra
desassombrando
a cegueira dos dias.

A vida navega
pacientemente
pelas células
feito uma nau errante.

Neste mesmo instante,
a vida vaga
desassossegada
pelos ossos, músculos,
pele inacabada.

Da ponta dos dedos
saltam
dançam
viajam
linhas coloridas
na imensidão
do espaço.

Imersas,
as linhas atravessam
a atmosfera,
tocando
delicadamente
a matéria-mundo.

Matéria múltipla,
manifestada na multidão
dos corpos,
na cadência
dos bumbos cósmicos.

Matéria viva,
vasta e profunda
que me toca:
o ar me penetra,
assola esse cisma
no meio do peito,

Bombeando
barcos, bichos,
linhas, rabiscos,
sustos, signos…

Vertiginosos arrepios
no arco de um respiro.


[É ESTRANHO]

É estranho
O extra ninho
A confusão de plumas
Na tentativa do vôo
O vivo vortex do tempo
Penetrando as entranhas

É estranho
Os rasantes do vento
As metamorfoses
Silenciosas das vísceras
A memória cortante
Inebriante como o
Líquido dos sonhos

É estranho
O sem tamanho
Do sentimento quando
Suspensa no ar
Todas as coisas pousadas
Dançam


[HÁ ALGO DE CAOS NO GOZO]

Há algo de caos no gozo:
Memórias;
Sismos;
Desvarios.

Há algo de cósmico no riso:
Um lance
de dados
no abismo.

Há algo de cômico no risco:
Seriam cócegas
nas costelas
do infinito?

Há algo de erótico em tudo isso…
Quando você vem
brincar comigo?


[AMANHECE]

Amanhece.
O cheiro de jasmin
roçando as águas do rio
levanta a aurora em mim.

Nasce no limiar da pele um arrepio
que alarga a claridade calma,
ao primeiro sinal dos assobios
rompendo a casca da manhã.

O mundo me respira, eu viro brisa,
vago crua pelos galhos, traço atalhos,
lanço os dados do dia que desponta.

Fome e fibra, o corpo voluptuoso da vida
devora os pensamentos arredios,
a carne das palavras cravadas no silêncio.

O som das crianças me carrega para onde quero ir…
Escuto a infância me chamar na crina da poesia
e desço os vales das primeiras horas
com a leveza do não saber que confia.

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