5 Poemas de Deise Assumpção

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Deise Assumpção – professora e poeta. Natural de Pirassununga (SP), reside em Mauá (no ABC Paulista), desde 1968. Formada em Letras, com especialização em Literatura Brasileira, participa das atividades literárias e culturais em geral de Mauá e região. Desde 2014 faz parte do coletivo Sábados PerVersos – A poesia em questão, projeto de Alpharrabio Livraria e Edições. Possui poemas publicados em sites e revistas literárias, bem como trabalhos em anais de congressos literários. Publicou pela Alpharrabio Edições: Cofre (2003); relíquias de anjo – coleção PerVersas, volume III (2017); Cidade Cativa (2023); Via Crucis– coleção PerVersas, volume XIII (2023).


TATUAGEM


a cidade
tatua-me os olhos
em camadas

que inoculam vísceras
sinapses e alma
e escorrem na pele

minha faina diária
não logra esculpir-lhe
nem uma flor
nos cabelos

a insônia me traga
na folha em branco
rege meus dedos
a cravá-la em camadas
de versos fugazes

*****

SICUT
LILIUM


dos corações de pedra
                                                             lascas
em dízimo
(as portas do inferno não prevalecerão):

a gruta
pré-adâmica
no miolo da cidade:

recôndito ostensório
da pedra virgem de cor
(serpente calcada aos pés
coroa de doze estrelas)
prenhe

de rostos:
barro arrebatado da multidão esquizofrênica
tecido
na fonte batismal
hóstias de carne e sangue
assim paridas remissas
à fome abissal:

***** 

PRAÇA 22 DE NOVEMBRO


forma prima esquartejada
(o inexorável)
membros espetados
na memória medram:

rodoviária
onde a concha acústica
decibéis de cansaço, pressa, espera
reescritura
de antigos versos

simples fonte artificial
a mesma água
da genitora aristocrática
aspersão de fé:
não se corrompe a essência
pode o rio se exorcizar

pequenas árvores seivam-se
das raízes das primitivas
espectros de futuro e passado
compromissando o Paço

velhos bancos
de reclinar o dorso
furtar beijos de namorados
agora duras muretas-nádegas
de envergar o tronco
olhos-inverno contornando arbustos
que às suas costas engendram flores

(sempre umbigo do universo
cruzando sacros os fios da taba)

*****

BOULEVARD


sustenta-se no ar encardido
sobre os carros rebaixados na avenida
faróis mortiços em procissão de penitência
de mão dupla
sobre as lagartas de aço nos trilhos
engolindo e excretando corpos e almas
embolados em cansaço e esperança

ao meio
quase debruçado na amurada
terno barato surrado
sapatos gastos engraxados
bíblia em riste
megafone em punho e boca
o pregador vocifera pragas apocalípticas
e a última besta capturada nos jornais do dia

a ave-maria
em carrilhões de gravação rouca
desce do alto-falante da torre
escorre pelas escadas da matriz
atravessa-o nos ouvidos que sobem e descem
espraia-se na praça
imiscui-se ao som do shopping

templo a templo
concreto armado em profecia:
a César o que é de César
a Deus o que é de Deus

*****


BRUXA-MADRINHA


toma-me pelos olhos

fibras todas
(corpóreas e incorpóreas)
leva-as ao píncaro:

                        na sarjeta e calçada
                        restos de fast-food
                        garrafa quebrada
                        preservativo escorrendo esperma
                        seringas secas

                       na florzinha ordinária
                       da fresta do cimento
                       duas borboletas gêmeas
                       em cio espelhado

                       por um triz
                       o par de sapatos
                       sobraçando a bíblia
                       não as esmaga
                       sem se dar conta
                       do desastre ou milagre

                       é manhã
                      domingo de páscoa:

em turno dobrado
recolher o êxtase
em palavras que ferem
encarcerar a bruxa
no poema:

 

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