Deisiane Barbosa é escritora, artista visual e costureira de livros da Andarilha Edições. Nascida e renascida no Recôncavo da Bahia. Graduada em Artes Visuais (UFRB) / especialista em Estudos Literários (UEFS) / mestra em Artes Visuais (UFPE). Desenvolve pesquisas em literatura, performance, videoarte e livro de artista, envolvendo memória e narrativas de mulheres. É integrante do imuê – Instituto Mulheres e Economia. Autora de três livros: “cartas à Tereza: fragmentos de uma correspondência incompleta” (2015), “desavesso” (2016) – ambos de edições independentes – e “refugos” (2019, Segundo Selo). Contatos: [email protected] | @andarilhaeedicoes
abre caminho
há uma pedra no meio do caminho
vai no mato arranca folha ferve água faz um chá
de quebra-pedra sorve tudo espera efeito mas
no meio do caminho há uma pedra faz atrito
faz faísca faz fogueira
senta um pouco espera o tempo
passar mas ainda há
no meio do caminho uma pedra
traz carroça traz caçamba traz guindaste
iça o peso chama gente faz esforço e
no meio do caminho teima pedra
lança água atiça água açoita água
mas não fura não dissolve não tritura não dilui não esfarela
chama o tempo cumpre espera espera a boca da ladeira
vai que rola vai que roda
vai que venta vai que voa vai que some vai que a terra se tonteia
abre-te sésamo e a pedra
abre caminho
in ven tar
1. dar nome ao vento onde estou invisível
2. dançar os panos no redemoinho
da tarde de aind’agora
3. apalpar o sopro
que o dendezeiro peneira e tange
ressona janelas casa portadentro cabelos
cílios travesseiros cortina parede pia os pratos lavados
as roupas dobradas ao meio poeira ausente tranca passada os poros
despertos
4. cruzar palavras férteis
parir poemas brutos
esfregar nos nós dos dedos
levantar espuma plena cada vez mais
cada vez mais
cada vez mais espuma plena
5. voar as bolhas
do sabão cansado
onde lavei meus gestos escorregadios
meus afetos gotejantes / esperanças ofegantes / um futuro quarando no sol
6. dizer que vi
acreditar testemunhar
espalhar o boato
confessá-lo como verdade
7. coroar apatia do ordinário c
om um vintém de fonemas como este
sussurrado
em meio ao vento de agosto
/ a gos to
onde ainda se inventam coreografias de pipas no céu /
aragem
e agora,
que fazer com a planta
crescida? ~ perguntou
como quem afoga travesseiro
na cara de um sonhador
lança ao mar bruscamente
mesmo sal que amortece
mesmo sal que mortifica
sossega
será indolor
ela não sentirá
e eu? ~ quis saber
esquecerá,
mesmo sal que mortifica
mesmo sal que amortece
o vento / de novo / semeia
~ ela disse
colheita
há de se cuidar do broto
pra que a vida nos dê flor – flor e fruto
~ Milton Nascimento
dizem que há e o sabor é dos mais refinados: a fruta madura no ponto aparada em hora exata. nem arrancada do pé / nem encontrada no chão. na exatidão do instante: colhida. o deleite é maior – das pupilas / das papilas / da própria polpa macia. dizem.
o percurso da corrente de ar
o sono pesado levita agruras.
dorme teus olhos cansados na poesia
santa luzia rogai por nós, ewá
dorme ouvidos
dorme boca gotejante tanto recitar versos úmidos
pra que ela te sorteie sempre bem-me-quer.
saliva tonelada desiste de caber ali parada
cada vez mais,
ou engole ou cospe
não dá pra peneirar o inteiro
tão constantemente
e ainda assim lucrar um vintém de proveito.
dorme aleatório avesso
dorme
sonha repertório de águas casas mar areia cheiros sol
longa saudade
só assim
pra aliviar teus ombros de todo malmequer
pra aliviar
dorme o sono pesado
deita delírio entregue
nas mãos milagrosas do tempo oyá santa clara
clariô
depois desperta refeita
troveja grito sufocado.
ninguém jamais
poderá frear o vento,
ninguém sequer perscruta
o percurso da corrente
de ar