5 Poemas de Denise Freitas

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Denise Freitas (Rio Grande, 1980) é escritora e professora. Autora dos livros O gesto sensível do mundo (Class/Bestiário, 2020), Percurso onde não há (Artes &Ecos e Editora Bestiário, 2017); Veio (Butecanis Editora Cabocla, 2014); Mares inversos (Casa Aberta Editora, 2010) e Misturando memórias (Editora Maria do Cais, 2007). Possui publicações em coletâneas e revistas de poesia e crítica literária como Sibila, Germina Literatura, Musa Rara, Modo de Usar, InComunidade, entre outras.
Escreve o blog: www.sisifosemperdas.blogspot.com


Noite Imóvel

A janela é tudo que sei
do mundo a essa altura dos dias.
Ao lado do muro a palmeira
tísica move uma floresta
inteira (ou a memória dela).

No cenário sem horizonte
possível ao redor da sombra
um bambuzal resmunga, range
horas ditando a noite imóvel.

Pássaros povoam o pouco
escuro estreito do céu entre
os bambus e a palmeira em frente.


Sobre uma Imagem

Amanhecendo sobre até o negrume manso
o brilho todo sem começo revoltava.
Ali pairava uma vontade apavorada
entre o silêncio de cor áspera do fogo
e o frenesi secreto atrás do muro sombra.
As criaturas em ameaça mútua davam
de parte a parte os seus sinais e retomavam
a luta como se houvesse outra vez escolha.


Pacífico

Pela primeira vez outro oceano à vista.
Num voo quase sem propósito
pelicanos roçam ondas frias.
Vêm e vão em pequenos grupos.
Negra, a cabeleira em rama do mar
escorre branca de espuma.
Gaivotas rasgam seu idioma estranho
nessa praia onde o contorno é pedra.
Sem dar cabo do dia, a noite demora.
O mar é o último lugar que deita
enquanto a luz pouco a pouco, e tarde, fraqueja.


Retorno

Logo será setembro e sobre mim
a mesma vontade daquele desamparo
afeito aos lírios perfumosos.
A solidão diária de umas lutinhas nossas
sem nenhuma garantia,
sem nenhum sinal de boas novas.
Somente o que me aparta dessa tanta ilusão
é um gesto antigo, embora sem sequer passado
por consolo aos milhões de dias velhos
que nos ameaçam adiante.

Aos bocados, a vida desinteirando-se,
desalegrando-se, ordinária e nada incompreensível.

Sobre mais esse setembro que se vai
o mundo ainda grita aos ares seus horrores,
vozes de ventania alteiam-se e novamente
avolumam-se em tempestade assombrada.
Como se nada assim houvesse feito antes
diz em seguida o abismo de seus azuis
muito a propósito de paisagens calmadiças.

Aos bocados, o tempo desinteirando-se,
desalegrando-se, rumoroso e nada incompreensível.


Terra Aflita

Reconheço muito antes de mim
acerca de cada um de nós
as aflições dessa terra em terços tristes.

Uma porção de dor e de beleza retalhada.
Um mundo – novo – irremediavelmente decomposto,
território ocupando séculos intermináveis,
desfazendo dúzias de gerações – e o colorido delas –
até então represadas nessa vida nem ainda a meio
e já exausta, pálida e costumada à falha.

Bem depois do início, esse continente,
onde o que se compreende
é somente ninharia
tostão-furado-intruso
expensas do anonimato e da fome,
com seus milhões de zeros comprimidos
aos quais, para cada um, atribuiu-se
um vago nome e um rosto só fonema.

Irrelevância que de forma alguma o suporta
ou dele se encarrega.

2 comentários em “5 Poemas de Denise Freitas”

  1. Denise, PARABÉNS, pelos encantadores poemas. Se tiver um PDF que reúne seus poemas, envie para mim. Será um prazer divulgar aqui no Centro de Ensino Superior de Arcoverde – PE, onde ensino no Curso de Letras. (prof. Carlos Alberto Cavalcanti)

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