Marcelo Silva é poeta e professor de Literatura e Língua Portuguesa. Foi um dos editores da revista Verborhagia, escreve no blog Desalinhado e teve poemas e contos publicados em diversos sites e revistas de literatura (Revista Subversa, Revista Mallarmargens, A voz pública da poesia, DEDS EM REVISTA, publicação da UFRGS, entre outros). Em 2015 participou da coletânea de poesia “Cantos Seletos”, publicado pela Editora Literacidade. Em 2019 lançou pela Editora Figura de Linguagem, “O que carrego no ventre”.
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I
A palavra, a palavra está cheia de gente,
cheia de gente cansada
a palavra está cheia
e dentro dessa pessoa que pensa
dentro dessa pessoa
que se denomina alguém
pronome indefinido
cheio de gente
cansada que é alguém, é ninguém
uma pessoa
uma pessoa cansada
de palavras cheia de gente
uma pessoa além das palavras
cheia de tudo
uma pessoa
cheia de palavras
Essa pessoa, essas pessoas
todas, todas cheias de palavras
cansadas de tudo
estão grávidas, grávidas
de alguma coisa
alguma coisa nova
uma palavra
uma palavra nova
mas estão cansadas
cansadas demais pra
parir
II
Será que as coisas fora do Mar
permanecem salgadas?
Adoecem
ou lhes falta ar?
A casa, o leão marinho,
as fotografias,
A memória da praia fora do Mar
existe?
Será que ele sabe de si,
da água que carrega?
Ou é, gota a gota,
todo esquecimento?
Sabe que é Mar, multidão, distância?
Que é mãe, cheiro do milho,
infância?
Silencioso, o Mar navega.
Nada sabe, nada promete,
além sal.
III
Acordei vivo hoje
Estava lá, ereto
Minha voz de couro e vidro
Estava lá meu dia
Um fiapo de sol na cabeça
Animais, a coroa do Rei
No entanto dela não me servi
Peguei o gato no colo –
Pois ele também estava vivo
E pus a mão na água
Água que esconde a lâmina
Limpei o rosto de ontem, os andrajos
Os pedaços que me faltam
Estava lá, os pés incendiados
Silenciosamente vivo
O Mar também, na praia
Entoando a cançao dos mortos
Acordei de olhos salgados
O peso da pedra no corpo
E me quis pelos séculos, em vida
A morte grená sorriu-me
Aos poucos, disse
IV
As páginas, como pássaros
sustentam vertiginosamente
as lembranças da casa esquecida.
E são elas, essas vidas
que me escapam pelas omoplatas,
água escura dentro do silêncio.
Bebo-o pequeno,
poço em que morrem as mãos minhas.
V
As palavras caminham pelo terceiro dia do poema,
na janela o sol flutuando o ar,
parece-me que algo foi restituído.
Respiro em direção aos pés, peço a eles:
– Dancem!
Imagino-me rio, pedra imorredoura do fundo.
Guardo este recado para ouví-lo no Mar
quando meu nome não for mais esse que me guarda