5 Poemas de Mardônio França

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Mardônio França é poeta, cientista de dados e editor. O mar e o céu : bússolas & miríades / Publicou 3 números da revistas Corsário; Editou 25 livros e Escreveu 5 livros de poesia.


how does it feel?

(…) like rolling stone

lá naquela esquina tem vacina para a solidão
vc pega o auto o poema pelo avesso
vc pega pelo meu braço e comigo vem ver o mar
o mar nos enlaça na maresia de nossos sonhos.

o leviatã segue em orion, em alegria
neste ano, o carnaval vai passar
neste ano, o são joão terá folguedos e abraços
neste ano, o azul será turvo, cor de chumbo
azul de picasso, azul de modigliani
com toda chuva de ansiedade lá fora, vou pegar o guarda-chuva da poesia
com a sacola de miudezas em cognatos, em morfemas
em vetores, irei fazer uma prece, uma reza, uma oração
cada poema é uma oração
cada pintura é uma oração
cada sinfonia é uma oração.

a timidez dos festejos vespertinos
a solidão dos reveillon de 2020/2021
a crueza dos fardados fascistas
a mudez das crianças e dos velhos por entre máscaras
a palidez dos sonhos e o silêncio dos autos
não me assusta
não me faz desistir desse samba torto
essa febre, esse ritmo, essa toada
da formiga
da cigarra
do poeta
que te diz q o amor é o astrolábio dos sentimentos
e o medo, esse medo, terá o fim.
:a alegria é a prova dos noves.


tzara poema

(…) ‘cê tá pensando que eu sou loki, bicho?
sou malandro velho
não tenho nada com isso “
loki, bicho, li-e-zer
(l)ouvado (s)eja (d)eus
lalá ficou lelé pq lili deu loló p’ra lulu
mas gosto de viajar
papai noel chegou lsd para todo mundo
fora fora fora
fora tender
salve a galinha caipira do piauí
fora a galinha
salve o alface alface alface
vou p’ro camurim plantar tomates e ver o tempo passar
meus bolsos meu bolsos
liézer- e o et da tapera
dom dom do sebastião
só entende quem namora.


ode a poesia do ser-tão

ele me recebeu naquele apartamento na aldeota
eu não tinha nada nos bolsos,
na portaria, a cobrança acontecia
eu vinha da praça e os pássaros me acompanhavam
eu recitava poemas sob o efeitos lisérgicos de rimbaud
eu arremessava livros nas universidades como tijolos de barros
euclides, suassuna, augusto dos anjos e dos irmãos concreta
a concretude e a dor nos consumia e isto era a parafernália:
hoje só ficou os velhos dentes e a memória gasta
muitos ficaram na estrada seja por mentiras, drogas ou hipocrisias
criamos muros entre nós e os nossos medos.

ele ficou apesar do dia que ficou só no show de rock
ele ficou apesar da quarentena e sua perna quebrada
ele ficou apesar das dores e dos amores perdidos
os livros, ficaram, eles ficam: o surto ainda nos resta
mas como nós mudamos de cidades: nossas almas também mudaram
algo fica entre o velho e o novo: a era das estranhezas e ele estava certo:

para fazer uma festa basta abrir a porta e descer os alpistes para os abutres.
a cidade benfica se perdeu
fecharam bares
derrubaram vielas, furnas, ritos
tudo ficou perdido
o andré dias a cada dia que passa desenha melhor
o marcelo a cada dia ria desses metidos que se dizem poetas
o carlos continua o maior de todos os prosadores inventivos da insular cidade de fortaleza de nossa senhora dos horrores
aqui perto o peixe amarelo de galvão provoca a matança dos todas as piabas de teresina, do trocar-troca e do antigo diegues
o diegues é em sampa e fechou também.
volto a dizer que a poesia de nuno é onça no cio
é dente apodrecido de uma poesia visceral e mórbida
nascida do apocalipse do sertão central junto com o jogo de amarelinhas de morro branco, paracuru e canoa, nas quebradas
enquanto o velho eliezer, fuma o último charuto, o último discípulo do medo
ele continua como um rouxinol assustando o morcego que fica entre as genitálias e o umbigo, dela a morte sedenta que procura o gozo fácil na praia de iracema
no bar do reggae.
o vento acabou com tudo,
primeiro veio a seda, a terça e o golpe
salamandra, sal a ceia, salada verde
segundo, veio a praia, a carne e ela,
a alucinante ruiva entre vampiros & elefantes da morbidez
quem sabe, ela dança entre a a fogueira e o que vem depois.
dance.


o físico dândi

foi encontrado um conto perdido de jorge luís borges sobre o dândi
cientista arnault daniel, a autoria é controversa, o memorialista
augusto de campos numa conversa com décio pignatari declina a autoria
para o sousândrade, em tempos heróicos.

a essência do conto traz as aventuras deste físico, apaixonante:
ele trabalhou num meio de descobertas medievais, teria descoberto
o cometa halley, antes de halley e dos ascetas de newton.
teria escrito um longo ensaio sobre as marés e uma mudança no espaço
que assim antecipava as elucidações de einstein. teria deixado
um livro longo sobre um passeio por matas e florestas e paixões:
uma mista de sua veloz passagem na corte e desarte do velho e do novo mundo.
era trigueiro e voraz: foi ensinado no convento como era comum no tempo
mas como todos os iconoclastas deste tempo deixou vários livros sobre
a existência do mundo e teria sido dela a primeira tradução do tao te king.

teve muitos amantes e amores: não se criava, se deixou incriado e a
poesia repousa sobre o seu peito.


qdo a minha língua corta e o bit explode

eu tenho medo: eu tenho medo dos leões
vc tem medo: vc tem medo dos leões
minha pele arde : meu nervo dispara
dispara, terra rasa, o medo nos cerca como fera em circo desarmado
meus bits, meus quóns nada dizem sobre a vida
preciso escrever aquele romance
vc precisa ter um filho: parece que o ventre
um dia : cobra, arde, dispara
cobra norato iemanjá oxumaré olorum

eu tenho medo pq nossos corações são alados
vc diz : – não se apegue – não se ilumine – não se quebre
pq sou bicho lascivo estranho e assustado
a vida, nau perdida, terrível e fantástica
vc chorou um dia ao meu lado no corredor de pedras de ruas de prédios
chorei de longe os surtos, os fantasmas.

nossos corpos se reconhecem
imagem espelho virtuais surreais
o peito sobre a mesa arde como uma velha úlcera
o gozo é uma cilada : cilada de almas
todas almas irão se encontrar no fim do mundo do deserto do apocalipse.

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