5 Poemas de Sabrinna Alento Mourão

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Sabrinna é autora do livro de contos In Vivo (2017, Livrinho de Papel Finíssimo Editora) e barista. Colaborou em revistas como Ler&cia, Vacatussa e Mallarmargens, além da página deslise. Ela espera que em outros multiversos seja também baixista de alguma banda, cultivadora de cogumelos, padeira, vendedora de plantas e escritora de novo, só que dessa vez uma escritora famosa.

Os poemas publicados são do livro “ponto crítico da noite” ( Editora Micélio: Recife, 2020).


ponto crítico da noite


quando no sertão da minha boca
se fez mar,
concluí:
por amor, às vezes,
criamos catástrofes:

trocamos amenidades,
falamos kama sutras,
acrobacias,
pirotecnias verbais:

tua
macia grosseira feminina masculina passiva-agressiva ativa
mão
tocou minha igualmente
macia grosseira feminina masculina passiva-agressiva ativa
mão:

as bolhas das herpes
de muitas outras bocas
estouradas na minha
ardiam:
ainda assim eu era um dócil cordeiro,
um bicho resignado
que caminhava mansamente rumo ao abatedouro:

e isso te bastava:
que eu me recriminasse
pelas vezes que chorei
e solucei
e babei
e dormi no peito de outra
lamentando a mulher que não esteve comigo;

que eu fitasse o abismo da folha em branco e
nele me visse refletida;

que ao tentar driblar o silêncio
ele ecoasse no oco da vida;

que antes de deitar, já exausta,
eu retirasse lentamente a película
de cada camada do palimpsesto
de pequenos suicídios de cada dia:

é meia-noite
e ainda não descobri
o ponto fraco da morte.


aceitar as diferenças

você é um ano mais nova
ou oito anos mais velha

você fala três línguas
ou traduz duas –
e o silêncio é meu vocabulário

você sabe de coisas que não me interessam
ou coisas que estão além do que posso entender

você me ama mais
e eu te amo menos
mas com toda a potência que posso

aceitar as diferenças
porque só nelas somos ímpares
e um par.


fluido

sou de água –
e ela me percorre:

a lua move o fluxo das marés
& o fluxo das mulheres:

o meu corpo exerce atração
(quase gravitacional)
em ti:

o teu corpo exerce atração
(quase gravitacional)
em mim:

duas vênus girando
uma em torno da órbita da outra.


quando um brasil de distância virar medida,
saberei a distância entre nós

a música do teu amigo acompanhou todas as tuas mudanças de casa:
quando você morou em buenos aires,
em foz do iguaçu,
em buenos aires de novo,
em brasília,
em foz do iguaçu de novo,
e agora em porto alegre.

umas bebidas que tomei te trouxeram até mim
no piauí,
depois em pernambuco,
depois no piauí,
e em pernambuco de novo.

umas palavras que escrevi te acompanharam em brasília,
depois em foz do iguaçu,
depois em uma viagem breve para buenos aires,
depois de volta em foz do iguaçu,
e agora, em porto alegre,
onde sinto que nos despedimos.


o mais completo dos seres

os homens sabem
trocar pneus,
tocar mais de um instrumento,
mexer em fiação,
acender fogo para assar carne.

os homens são catedráticos,
cultos, diversos, varonis,
magistrais:
eles fazem a boa literatura,
as maravilhas arquitetônicas,
os aeroplanos para as aeromoças desfilarem.

os homens sabem, inclusive, que eu só sou lésbica
porque ainda não encontrei
o homem certo:
quem, afinal, sabe o que eu quero, se não um homem?

eles são excelentes
em corte costura cama mesa & banho:
os bons motoristas, pais, esportistas,
investidores, cabeleireiros, críticos de arte.

os homens sabem fazer tudo,
exceto uma coisa irrelevante demais para pertencer à vastidão masculina:
ouvir de uma mulher
que eles não sabem o que estão fazendo.

1 comentário em “5 Poemas de Sabrinna Alento Mourão”

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