6 Poemas de Cesar Garcia Lima

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Cesar Garcia Lima (Rio Branco, AC, 1964) é autor de Águas desnecessárias (Nankin, 1997 e e-galáxia, 2019), Este livro não é um objeto (edição do autor, 2006), Trópico de papel (7Letras, 2019) e Bastante aos gritos (7Letras, 2021), todos livros de poemas. É doutor em Literatura Comparada (UERJ), professor e jornalista.  Como diretor e roteirista de documentários, realizou Soldados da borracha (2010) e Onde minh’ alma quer estar (2015). Vive no Rio de Janeiro.

Todos os poemas desta seleção fazem parte do livro Bastante aos gritos (7Letras, 2021).


PIÇARRA

Envereda-se no olvido
uma tarde dilatada de búfalos
poeira alada
em vestidos estampados
peles enceradas sem luxo
feito cuias de tacacá

A família respinga
em sangue movediço
um primo aviador que não recusou voos
e caiu abatido
outro que desabou do prédio
de tanto estudar

Hoje perdi o parente em mim
o impulso substitui o medo
no resfolegar do futuro

Tudo desmorona
nesta data querida
o céu a pálpebra o sistema
muitos anos de vida


SLAVE EATS

Paulo Roberto está retirando
seu pedido que
custa mais caro
do que deveria.
Paulo Roberto está de bicicleta.
Paulo Roberto está a caminho.
Paulo Roberto é jovem, negro,
carioca.
Paulo Roberto arrumou
esse trabalhinho de entregador
e não vai ter carteira azul
nem verde amarela.
Um parente de Paulo Roberto
foi escravizado na África
e assim sua jornada sem fim
começou.
Paulo Roberto está com fome
e não tem como pagar
o que carrega.
Previsão máxima de chegada:
09:15 p.m.
00;00 minuto de distância.
Encontre Paulo Roberto na porta.
Seu pedido foi entregue.


O CERVO NA PLANÍCIE GELADA

Respire, amigo.
Esqueça que mora no corpo
e descanse
a alma intranquila.
Conversemos sobre o agora.
Deixe o medo perder
a força.
O espírito se eleva.
O tempo não tem portas.
Erga o olhar até o sol.
Abrace o silêncio.
Retorne.
A insônia abre caminho
para o cervo
em meio à planície gelada.
A ajuda não tarda.


AMOR CRU

Uma tarde
em certa churrascaria tradicional
ele tentou matar
o amor.
Tinha experiência interior
de tempos menos prosaicos.
Não é tarefa fácil
e se proclamou incapaz:
agiu privado de sentidos.
Quis cortar a carne,
tocou o espírito
desumano.
O amor
conseguiu fatiar:
ficou mal passado.


INFORTÚNIO CRÍTICO

Não pergunto sobre o livro
certamente não lido
com dedicatória e tudo
meu livro não é meu
e o não-leitor tampouco quer
essa lírica miúda
chegada a santos
poética de iniciação
com atalhos de descidas.
Não tenho pena dele
inocentes não leem
publicam.


NÔMADE

Ser aquele que vai
o que nada tem
o sempre vencido
perdido na poeira das estradas
nos estribilhos dos pedintes
a quem não coube desbravar Galápagos
nem clamar por Abissínias
conhecer muitos finais
nem todos intensos ou chuvosos

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