6 Poemas de Lígia Dabul

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Lígia Dabul (Rio de Janeiro, 1959). Poeta. Publicou os livros de poesia Som (Rio de Janeiro, Editora Bem-Te-Vi, 2005), Luces/Luzes (La Plata, Editora Universidad Nacional de La Plata, 2008), Nave (São Paulo, Lumme Editor, 2010), Garça Torta/Crooked Heron (Londres, Carnaval Press, 2017), O tempo que leva (São Paulo, Patuá, 2022) e as plaquetes Algo do Gênero (São Paulo, Arqueria Editorial, 2010) e Sambaqui (São Paulo/Belém do Pará, Lumme Editor/Mezanino Editorial, 2022).


LUME

Cumprimenta todas e encerra
a conversa. Cartas recolhidas.
Palavras acesas na visita de
adivinhação. Anotações,
notícias esquecidas: as coisas
são o que são sem que ensaiem
defesa. Mas com a luz o dobro
da manhã entra pela janela.


SAÍDA

Outra vez redes,
indicações imprecisas e
desvios onde não esperavam.
Varais aliciam ao invés da
estrada – distraídos com a
forma das coisas, obstáculos
em Beberibe, sítios ermos
assim que notavam.
O atalho corta copas que se
tocam. No cheiro de musgo
viveriam para sempre,
como aquela água aguarda
braçadas de muita falta.
Um Rebouças devagar
e leve, apagando.


MUSEU DO OURO

Não tocar na obra de arte,
vaca íntima. Chove,
quase todas gotas feitas
com jade. San José
tem esferas de toneladas
esculpidas não se sabe
por quem. Outras pedras
trazem traços olmecas
e uma cor invisível.
Nem sentido nem
segredo.


NOTURNO

Um jardim. Tanques
cheios no centro. Flores
amarelas florescendo até
a morte. Truques também
nas foliáceas perfeitas
que periantos engolem.
Os seios sugeridos nas
pontas das pétalas,
nas palavras soltas com
os nomes, amadurecidas,
abraçam o outono
dessa linha enquanto
no set escurece. A noite
persegue estrelas com
desejo e fúria: astros
acesos, estilhaços de tudo
como pólen, a flor preta
quase aberta para mim.


JARDIM DA SEREIA

Cravo as patas
no Jardim da Sereia.
Um inseto encontraria
fácil as esculturas

depois de quase ser levado
pelo vento frio e solidão
na Praça da República.

Se eu fosse um casal
gastava aqui – banco
azul infinito –
o resto da manhã.

Um pássaro, engolia
os confetes que sobraram
da festa da véspera
atraído por sementes
varridas ainda agora.

A fonte onde azulejos
luzem sob limo
talvez cante.


SAMBAQUI

Pisamos com familiaridade.
Provável endereço.
Lesmas enguias arraias
infestam o mar de sargaço,
nutrem com fibras fissuras
na superfície de azulejos.
Mas os desenhos secam
e desgrudam:
navegantes em tinta azul
na véspera do acidente
lançam pela proa
depósitos com munição.
Inútil. As latas –
elas sim prometiam
guarnecer para sempre
o povoamento – foram
parar no Rio de Janeiro.
Noutros fragmentos
motivos florais
delicadamente
compõem
a porcelana, e as saias tão claras
pendem
em fila no varal.
Capitães do mato
cujos nomes são lembrados
na ponta de chicotes, com a
ponta dos dedos fazem pressão
convincente, têm o sono
agitado, comportas
suspensas, e a tarde definha
por si
só: pois cravamos abrupta
essa memória, surpresas
com o ímpeto, o ímã,
resíduos de construção pesada
entregues como oferenda
desde o primeiro dia –
recuperados agora
por estranha forma. As flores
não suportam a estação sem cor,
sem auspícios, os cheiros marinhos,
os minerais entranhados na cidade.
Eles arrastam
os pregos, os cravos, no caldo azedo
a ferrugem desce por mil fios
– da casa onde
fizeram a última festa, uma usina
de sêmen depois
esquecida.

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