7 Poemas de Adriana Linhares

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Adriana Linhares nasceu no Rio de Janeiro em 1982. É poeta, arte-educadora e mãe da Selena. Publica seu primeiro livro de poesias Atrás do não-dito em 2019 pela Fólio digital e participa da organização de saraus e do editorial do Fanzine Poesia Espiral desde 2005. Atualmente é mestranda no Programa de Pós-graduação em artes na UERJ.

Poemas do livro “Atrás do não-dito” (Fólio digital, 2019)


***

oxum na cabeceira de minha cabeça
me avisa que é hora

levar os medos ao riacho
pra que as águas de mamãe celeste
os lavem
um a um entre lágrimas de cura

oxum me diz
que é dia de expor robustas sementes
ao sol e que a mais
sublime das meditações
reside em cultuar-se natureza

ela me encosta no seu ventre
e me pede pra voltar a acreditar no amor
e nas capacidades do espírito

oxum do ouro
grávida de ternura


SUBTERRÂNEO

as minúcias que sua cidade vomitava, a deixava de boca aberta
é talvez um acerto não ter postura ereta
diante da síndrome dos mais vendidos clássicos,
da argamassa de história que chapisca os prédios de mais de 200 anos,
diante das formas de vida que transitam atônitas,
em correrias irrecuperáveis
ela ainda se admirava de ter terra em que gostasse de pisar

para não atropelar a si mesma escrevia:

– busque compreender o crescimento do manjericão
– beba licor a cada vez que o cachorro do vizinho de solidão chorar
– entenda que a entrega é a fisiologia do presente

despejar anotações nos olhos era como ter um santuário nas mãos

na cidade que late nervos e bengalas, o subterrâneo também é sustento


***

Haverá um tempo de linhas imprecisas
onde não importa a princípio e a saída
e tudo se arranjará tão bem
como num embrulho de quereres
amplo e desorganizadamente eficaz.
O outro será descomplicado como você
qualquer outro será o seu amor
como num bloco de carnaval
sem interrupções
sem marasmos
apenas essenciais estripulias.


SEMPRE-VIVA
Para Selena

Ela é todo sol, é toda ela:
esquema de varanda
caixinha de petit poá
Selena, celeiro de aconchego
sempre-viva
sem meio sentido
e sem senão

temos algum tempo
o qual não sei o quanto
por qual tem sim de quê
onde o querido tanto
se obtém por meios santos
de um ir e vir
em muitos pontos
enquanto
o que mais venero é você


***

aglomerava seus segredos ao relento
eles às vezes entupiam sua espinha
silêncios substanciais
ancorados na couraça da ausência

se sentia só quando escutava os sons de jogos na antessala da memória
quando anunciavam seu nome completo pra participar de algo
e no exato momento que terminava a música do Milton,
sentia uma solidão tão alucinada
como se nada mais concedesse respiro
apenas os trechos extensos e sacanas dos poetas beatniks
o jeito rústico de quando a lua se alinhava com sua vênus no mapa astral
ou a maneira agridoce que aquela confidência atravessava certeira sua procissão de pensamentos

parecia que nada mais merecia castigo do que esses tempos em que as pessoas não se enviam mais cartas


***

adormecer como fuga da monotonia agreste dos súbitos enganos
o repouso das ansiedades encardidas, dos despreparos de ser e estar

incubir-se do real era algo escorregadio como fruta que ao cair se mistura no solfejo dos insetos
ampliar-se no real era como diluir-se em si mesmo
paisagem de tropeço e pequenas glórias trêmulas

aranhas fazem trilhas sobre a sacada
há quem ache desnecessário reparar nelas
no entanto elas arrancam minha atenção em confraria
mostrando que a vida miúda também hipnotiza

há algo dentro que ainda não sei definir ou nunca saberia
algo que às vezes ouso perfurar
que às vezes precisaria dizer a mim mesma mas esqueço pois tenho aquela compra do mês pra fazer

autoqueixa translúcida
organismo penitente e selvagem
gama de enigma que não cessa
que não sabe converter brevidades
e pôr em punho disfunções

quem haverá de me tecer ou o quê?
o que há de regular ou revirar?
não caibo nesses dias letivos repletos de filtros


***

deus me perdoe as discrepâncias
eu que não sei ser só lisa
sou presente quando presente
onde dor e alegria purificam

sinto sede de ter sede
frios sorrateiros
e silêncios indevidos

deus do lindo absurdo
as cores do mundo me arrebatam
os vazios de tudo me arrebentam
a vida que me destes não tem começo, meio ou fim

sou de semear tempestades
colher ventos
e não consigo
assassinar momentos

deus da luz própria
que eu seja imprópria
para os menores de 1.000 anos
e seja nuvem sempre com fervor

que nenhum amor me seja ignorado
nem impedido
ou não vivido
que eu saiba ser bem mais que um vestido num sorriso
e tenha a paz que não está no paraíso

2 comentários em “7 Poemas de Adriana Linhares”

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