7 Poemas de Juliana Aguiar

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Juliana Aguiar é mulher, mãe de Maria, artista arcoverdense da Literatura e do Teatro. É pedagoga, pesquisadora, escritora, arte educadora, origamista, ouvinte-leitora-contadora-escritora de Histórias, biblioterapeuta, produtora cultural, gestora e elaboradora de projetos culturais. Compõe a equipe gestora da Estação da Cultura, é membro da RIPA e hoje ocupa o cargo de Secretária de Cultura da cidade de Arcoverde.


Poesia 1

Não, não me sujeitarei as normas, as formas
Nem aos intentos da dessacralização do meu ser
Principiarei pelo que sou
Honrando minha ancestralidade
E as fêmeas que caminham comigo
Não legitimo as finas forças da manipulação
Não hei de corroborar para a soltura do que me assombra
Quem sabe desses medos sou eu, e elas
Foi o meu corpo, e o delas que caminharam aos embalos da dor, do dissabor, da usurpação.
Conheço a delicada brutalidade da conquista e da derrota do que sou
Buscarei em todos os cantos e cantos e contos a liberdade
A nossa e a minha.
SAGRADA caminharei,
Com o sangue Santo de minhas entranhas cultivarei
O solo de minha terra e de meu céu


Poesia 2

De segunda a sexta feira, por volta das 02h da tarde,
Helena (Tharuntha) vai a esquina da Igreja Batista,
defronte ao famoso, hoje inativo,
Colégio Onze de Setembro,
se põe de cócoras,
levanta a saia
e caga.
Caga pra hipócrita pseudo-elite arcoverdense,
que pouco sabe lidar com sua merda.


Poesia 3

Ciça com seus peitos enormes e sua valorosa maternidade, passava dias e noites a pedir pelas ruas do São Geraldo.
Tinha pouso na rua Petronila Jé, na casa dos doidos de Seu Mané Panta.
Ciça deu seguimento a sua prole e pariu um doido atrás do outro.
A mulher que casou com um doido, ficou louca e pariu louquinhos.
Ela nunca havia sido a protagonista de nada, uma mulher sem grandes importâncias, mas casou e recebeu um título.
Passou a existir e a figurar as memórias da comunidade.
Ciça doida, até hoje pede, os meninos cresceram e nem todos deram pra doido.
De Carlos, o doido de Mané Panta, não tenho notícias.
E Ciça, já não tão afamada e menos louca, agora se emancipou e pede para seu próprio usufruto.


Poesia 4

Bilira era famosa no bairro. A personagem principal das histórias de espíritos e de medo das crianças do São Geraldo.
Quando Bilira descia para o trabalho, transvestida de pessoa comum, não demonstrava muita simpatia e nem dava grandes intimidades a seu ninguém.
Ela nunca descia baixando Santo, o centro da cidade não era lugar pra isso.
O Santo baixava era na volta pra casa, a patroa não sabia lidar com esse seu estar e nem tinha pra que estreitar relação com aquela gente.
Já a periferia a acolhia e fazia de sua espiritualidade um evento.
Juntava gente de tudo quanto é lado.
Os moleques mais afoitos jogavam areia e água, já os mais aflitos faziam sinal da cruz e riam de nervoso.
Havia quem trouxesse cachaça para ofertar e agradar o Santo e quem dissesse que era só um ataque de histeria.
Muitos e diversos eram os posicionamentos.
O certo é que o Santo não gostava de polícia.
Depois da ligação, Bilira voltava a si, dava dois esporro nos curiosos e subia pra casa, digna e cansada, depois de um dia de trabalho.


Poesia 5


A loucura das mulheres livres me encanta. Nasci rodeada de ensandecidas.
Fêmeas libertas, descumpridoras da “ordem”, dos desejos e dos desígnios do patriarcado.
Dulce sempre foi Dulce, passou um tempo desencorajada.
Mas seus desejos nunca morreram.
Ela cultivou sua carne e sua loucura com o sangue sagrado de suas entranhas.
Dulce sempre transbordou, trouxe a coragem de nossas ancestrais.
Acreditava com tanta força que ninguém duvidou.
Na presença dela a criança que vive em mim aprendeu a ser forte.
Sua sabedoria generosa me acompanha pela vida.
Junto dela eu não tinha medo. O marrom, que antes me desencorajava, tinha cores brilhantes e diversas.
Era uma mulher de magia, em sua morada frascos vazios embelezavam uma suntuosa penteadeira.
Flores e ervas transpareciam seus saberes.
Até os fantasmas ela encantava.
Tudo nela era verdadeiro, queimava.
Sua insubordinação era temida e combatida.
“Mulher de ninguém”
“Mulher de vida fácil”
“Prostituta”
“Entra que lá vem Dulce”
“Imunda”
Dulce era malDita
Eu prefiro dizer-lhe livre.
Mulher livre
Dulce tinha força, tinha vontade, tinha tesão pela vida.
Ela queria tanto viver, que viveu numa velocidade incrível.
A vida vendo tanta vida, pulsando em Dulce, teve uma ideia e propôs que ela a acompanhasse pelo tempo e encantasse outras paragens.
Dulce se encantou
E me encanta


Poesia 6

Acresço o círculo de mulheres impróprias
Não lembro quando vim parar aqui
Mas suspeito que date do momento que reconheci meus poderes

Sim, eu sempre fui poderosa, sou mulher e sei disso.

Trago a liberdade por essência, desfaço os limites, desregro os desejos e não imploro as presenças.
Não abro mão de minhas crenças, nem de meus quereres

Nasci mulher
Me transformei em mulher
Tornei-me mulher
Todos os meus caminhos deram aqui

Prezo por não guardar águas ruins, mas faço questão de não esquecer os motivos de nenhuma de minhas partidas.

Por vezes sinto as dores da solidão e quase sempre gozo e me maravilho em suas delícias

Não caibo em um só círculo, mas prefiro o do sagrado. Sangro e me consagro ao feminino.

Não sou isso ou aquilo. Sou essa e aquela.
Prefiro ser todas e dar as mãos a todas elas.
As impróprias, as próprias e as sem propriedade nenhuma.

Me conheço mulher, voou livre, respeito o pouso e sei de meu poder


Poesia 7

Seu passo é leve e firme,
traz a sabedoria de uma mulher que pariu em meio aos machos.
Pariu seu próprio ser. Gestou sua essência sozinha e mal acompanhada.
Enfrentou as dores do parto e foi desencorajada pelo dessabor do patriarcado.
Venceu as dores e se aliou a elas.
Se descobriu selvagem e conhecedora de seu poder.
Nasceu, cresceu, reproduziu e vive
Ama em sua plenitude,
sem medo ou vergonha de caminhar entre o seu selvagem e o seu sagrado.
Parindo se percebeu fêmea.
E segue mansa e feroz em sua função de viver.

1 comentário em “7 Poemas de Juliana Aguiar”

  1. July! Que bom te ler aqui na ACROBATA! A qualidade textual imersa em sensibilidade faz uma bibliografia fantástica dessas “doidas” doídas da vida. Parabéns, July!

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