8 Poemas de Marcos Samuel Costa

| |


Marcos Samuel Costa é escritor, poeta, jornalista, editor e músico. Nascido na cidade de Ponta de Pedras na Ilha de Marajó, mas mora entre as cidades de Belém do Pará e Ponta de Pedras. Marcos cursa Serviço Social na UFPA e licenciatura em história na UNILINS. Atualmente edita Variações: revista de literatura contemporânea, revista digital e online, que no presente momento a única em funcionamento em sua modalidade no Norte do Brasil, além disso é um dos editores do Jornal Crescendo, um período voltado totalmente ao público infantil, que tem sua circulação em Belém e em outras cidades do Pará. Publicou o romance Dentro de um peixe que acaba de ganhar a 2 Edição pela Editora Folheando, o livro de poemas No próximo Verão (Editora Folheando 2021, Prêmio Literatura e Fechadura 2020). Além disso, ganhou em 2019 o Prêmio Dalcídio Jurandir (IOEPA) com o romance homoafetivo O Cheiros dos homens (ainda inédito).


Pai, filho e o mar

“E o que em mim cresce,
é talvez o rancor
que todo o filho, mar, tem por seu pai”
Eugenio Montale

Pai, eles querem parar
a força do mar com suas
mãos sujas
pedregulhos excertos
não entendem que a geografia
dos litorais é movimento vivo
das águas águas aguça a sede

pai, arrimo cairá
no próximo mês de março
onde as flores nascem mortas
e pesadas na fina e
molhada terra das mangabeiras
inércia física secas nas febres

mas pai, o mundo é mar
e o mar é mundo
máquina de ferro e carne humana
tudo cairá

pai, nós dois sabemos
mas o mundo inteiro também sabe
os que navegam se perdem
entre a pele lisa dos peixes
entre as escamas duras dos acaris
jagarajó e outras terras nos teus sonhos.

O arrimo cairá
em todo o litoral vazio
quando será nossa vez de ver a dor?
eu temo o dia sem chão firme,
da areia correndo entre o tempo
tempo entre o tempo de nós dois

o arrimo cairá
e por isso te digo agora:
te amo.


Estou longe


“The houses are haunted
By white night-gowns.
Nine are green”
Wallace Stevens

Ando longe daquele
que eu dizia amar
longe de um amor, então,
longe da morte
longe de uma dor

minha casa fica
fora do continente
faz sol a luz chega
antes da estrela maior
no horizonte

é calma essa brisa
feito fumaça na mesa
as mãos frias da mãe

é calma essa lembrança
que faz sofrer
como gato que passeia
entre casas e muros altos

Estou longe.


Trem-Bala

Wallace tem um trem-bala
no meio do peito
que corre ao encontro
de uma ponte caída

no meio de um rio
cheio de sangue

cansado das madrugadas
álcoois peles dores e
frustações
ele tenta reagir

mas Wallace tem no peito
dois tiros certeiros

e a certeza que tudo
acabou
e que Lucas já tem outro
amor


Mudança

Celton planeja ir morar
em outro continente
consciência viva
ao perigo

mora em seus pensamentos
as dívidas as derrotas
e o desamor

morar no Japão
lhe fará bem
abandonará
tudo que lhe destrói

um mar azul
na carne vermelha
seus demônios


O tesouro guardado de Celton

A noite não passou
ainda há escuridão
três sonhos confusos
uma dor forte

ainda não amanheceu
o dia já acordou
mas a noite não morreu

alguém caminha no quarto
uma voz corta o horizonte
Celton fica sem voz
chão vazio extenso e frio

alguém lhe abandona
a cama quente expande a dor
corta seus membros
e lhe beija mais a barriga.


Voz

Desenterro da voz um rio brando
calmo como canção sem ritmo
com suas águas cheia de argila o rio caminha
para terras distantes e abundantes de fracassos
ninguém escreverá sobre a paz de um sonho
talvez as visões da poeta Cecilia Pavón sejam
reais, talvez todos os gays procurem seu paraíso
o peito para descansar a cabeça
um colo masculino para suportar suas tristezas
mas a vida de um gay é feliz
quem disse que não? Tantas luzes,
brilhos, conquistas, disputas
avanças, tudo é alegria reparadora
desenterro da voz o corpo do meu ex-namoro
que tem gosto de algo amargo, dói
que é negro e magro, um rapaz bonito
mas que me feriu a ponto de eu não
o ter em nenhuma rede social,
ao ponto de ter apagado todos as suas fotos
esse rio do passado que passeia nas
lembranças tristes
o rio o trouxe para minha memória
este hombre que es más amargo que el limón al final del trago
mais amargo que o final do drink
enterro na voz o sofrimento de parecer
todos os dias o membro mais sem função do corpo
da minha casa e da minha família
um membro que faz uma função que não deveria
que não é sua por natureza
como uma perna que escreve
invés de correr…


Despedida

Essa será a última carta
endereçada a ti
nas costas de um rinoceronte
rasuras afetivas
na lâmina dos transeuntes
cheirando a bebidas baratas
o campo pisado
por mamíferos
insalubres

gotas de pedras de nossos sonhos
já tardes para serem
sonhados e festejados durante
a queda do sol

jasmim cravo gatos e besouros
são sempre flores de mortos
te mandarei junto um disco
talvez de rock ou blues

a tarde nos devora
uma última árvore sobre o pássaro
que se perdeu do seu caminho
anuncia tua morte


Último poema

Como insetos
que se atrevem a atravessar
as ruas
os calafrios da noite
mesmo insones
e fracos
caminho até você
debaixo da chuva
sob os desafios
mesmo que seja
para ter mais do mesmo
sentir mais do sofrimento
insuportável
que me cega
me cala

mesmo assim
sinto que caminhar para
te ver
é colocar um mar
dentro de um copo
e o tomar

3 comentários em “8 Poemas de Marcos Samuel Costa”

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!