Levantar a síntese de um disco resolvido, e aí já pegado de seu primeiro aniversário, me faz com que o chamado de falar sobre, feito pelo amigo Demétrios Galvão, me encontre agora pelo revés da ideia imediata de quando o convite surgiu, que foi a de escutá-lo novamente pra desimpedir suas memórias de minhas certezas. Quero experimentar dizer de seu surgimento distante de sua relevância, mesmo que eu vá ao risco de refazê-lo em minha cabeça diferente do que deveria ser sua lembrança. Assim, logo a confissão que devo é essa de que não o ouço. Isso é voluntário, mas motivado por questão que creio pertinente ao meu hábito de tratar tudo o que termino.
Com esse disco, quando das suas repetidas audições de criação e pré-lançamento, no qual pude conservar cada peça do seu feitio, se faz preciso o descanso e deixar que se ande pra que eu entenda seu significado completamente. Isso me aconteceu com outros que fiz parte; eu não ouço “Violante” ou “Captamata” senão por um dever técnico de revisitar as músicas, se há ocasião. Penso que é coisa comumente universal em arte e noutras tantas atividades.
Outra questão, que também arruma um pouco mais a primeira, é a de que, em minha cabeça, quando um disco uma música ou um texto terminam, de pronto começa em mim um ânimo, mesmo que só no pastio dos sonhos, de conceber o disco seguinte, a música, o plano seguinte. Trago orgulho imenso do álbum que fizemos, meu querido amigo Alan Douglas e eu. Ele foi fundamental quando o produziu com um zelo que eu jamais alcançaria.
Como suponho maçante recontar os pormenores de seu processo, pois seria preciso me alongar na porção em que sua duração se fez, prefiro me recordar de uma noite em que Alan falava, enquanto bebíamos em sua casa, já pelo meio da madrugada, ter gostado muito da música “Sílaba”, quando toquei pra ele da vez anterior que nos encontramos. Talvez ele tenha gostado mais por causa do episódio em que ela se deu, quando lhe contei que só fiz a canção porque Joniel Veras, que viria assinar depois capa e direção artística do álbum, ao achar que eu andava muito quieto naquela época, me tinha mandado por e-mail o desafio de compor uma música que tivessem as palavras “pau, estalactite e silenciosamente”, com o máximo de cinco acordes.
Para dentro de sua influência sobre mim, e para fora de nossas parcerias, e uma delas é “Gay”, vez ou outra acontece entre nós desses brincos. Acabei fazendo na mesma tarde, enviei noutro dia a Joniel e na mesma semana mostrei ao Alan, que me disse, na noite desse último encontro, a vontade de produzir um disco meu, já que tinha finalizado o seu álbum Long Tomorrow, o que me deixou muito festivo.
Quando começamos, reuni diferentes canções e levei ao Alan, usando primeiro a medida que há entre as antigas ainda possíveis e novas de alguma urgência. Um vestígio disso é “Um Dia”; eu não me lembrava dela por ser uma das mais remotas, mas, visitando minha mãe uma vez, e remexendo coisas no meu antigo quarto, eu dei com a cara na sua letra, ainda com a caligrafia de Luciano, o Luciano Almeida, que foi meu grande amigo e poeta, e a música, que foi meu lado da parceria, voltou pra mim de um lance só. Era muito significante que ela entrasse no repertório, não apenas por Luciano ter sido muito importante na minha formação de artista, mas porque toda a música, com o que queria dizer, mais parecia ter de idade dez dias que seus mais de dez anos.
Antes dela, tínhamos já chegado num tronco da compilação do álbum em que o Alan, ainda cedo, recomendou maneiras incontáveis de deixá-lo mais cheio, de sonoridade mais rica. Foi quando lhe disse querer o álbum trazido somente à minha voz, a voz que ali estava com o que cantava, sem qualquer trato ou efeito que a fizesse de eco maior do que o que era. Tenho bastante lucidez sobre minhas manchas como cantor e sei que há muitos recursos de estúdio que melhoram os cantantes, mas quis pegar desse estado, renunciando logo outros vocais, coristas, outras cordas, como também dispensando a psicodelia que ao tempo voltava a se iluminar nas obras atuais. Eu gosto muito de todas essas coisas que neguei ao disco, mas naquele presente o enxergava, ou esperava enxergar, mais feito a mim, desadornado, quase de uma singeleza mal sucedida; e se faríamos lo-fi ele deveria seu testemunho dessa minha consciência.
Contra isso, vieram as soluções de Alan, como a de convidar Guilherme Cerqueira (DJ Barão) pra produzir a faixa “Soneto Boca de Lixo”. Era uma música que tínhamos pré-arranjado, mas a interferência de uma faixa produzida de fora, numa possível curva àquela corrente em que estávamos, me agradou; ainda mais que já gostava da experiência do Barão com a Guardia, então já na sua primeira versão eu adorei o que fez. Antes já tinha corrido a surpresa do teclado de “Gay”, que Alan, quando Cerley o visitou, o fez improvisar aquele arranjo magnético, que nos contou depois ter arrancado de suas recordações de videogame. Alan deixou também a ele a missão de pensar um sopro de metal, então, por Cerley, vieram Fernando Alves, que fez em “Balada no Mocambinho” um solo de trompete de tanta exuberância que todas as vezes me vem a vontade de dançar, e depois Netinho Olímpio com um clarinete de brilho saudoso, como se me viesse de algum lugar que um dia foi memória, posto incidental em “Ela é Tão Bonita”.
Soube que os três são da banda 16 de agosto, mas os últimos dois, porque gravaram de Teresina, e por eu não ir lá o tanto que gostaria, ainda não os conheci. O único músico que convidei foi o pianista e compositor Iko Flores, daqui de Brasília. Sua participação foi fundamental pra “Lua de Dália”; Iko deu a ela um sentimento de simetria e nobreza com seu piano, qual se não só propriamente tocasse, mas acarinhasse a música. No fim, Alan ainda quis rever baterias que fez no começo e que pedi que não porque, por mais que parte fossem de uma primeira impressão sua, quando ainda estudávamos o que se adequava, eu gostava muito delas como eram. Sei que uma coisa ou outra recriou e pude saber que tinha razão de ter feito, se em toda condução do álbum passou compreendendo tudo que eu desejava e o que ele sabia que eu desejaria.
YouTube – https://www.youtube.com/watch?v=MUZaMUIt4vg
Spotify – https://open.spotify.com/artist/4eCnib6T1sYYnc8EaHcPhL
Ficha Técnica:
As músicas do álbum – Makeh – foram compostas por Makeh, com parceria de Joniel Veras na faixa ‘Gay’, e de Luciano Almeida na faixa ‘Um Dia’.
Produzido por Alan Douglas.
Gravado, Mixado e Masterizado por Alan Douglas.
Direção Artística – Joniel Veras | Direção Musical – Makeh | Arranjos – Alan Douglas e Makeh | Capa e Projeto gráfico – Joniel Veras | Foto de Capa – Doroty Amaral.
Makeh – voz, guitarras, violões e baixos | Alan Douglas – baterias e guitarra em ‘Um Dia’ | Músicos convidados: DJ Barão (vulgo Guilherme Cerqueira), que produziu a faixa ‘Soneto Boca de Lixo’ | Iko Flores, arranjo de piano em Lua de Dália | Jorcerley Silva, arranjo de teclado em Gay | Fernando Alves, arranjo de trompete em Balada no Mocambinho | Netinho Olímpio, arranjo de clarinete em Ela É Tão Bonita.