Processo de criação de Adé – projeto audiovisual do livro “aos meus homens”

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Bacharel em Humanidades pelo Instituto de Artes, Humanidades, Ciências e Tecnologias – Milton Santos (IHAC-UFBA), Marcelo Ricardo é poeta, contista e roteirista. Vencedor do concurso nacional de contos pela Editora Malê em 2016, e participante do projeto curta universitário, organizado pelo Canal Futura, em parceria com a Fundação Roberto Marinho, o multiartista se apropria do audiovisual, da música, da performance e da literatura para lançar seu livro.


Adé é um projeto visual que integra poesia, música, dança e performances em audiovisual sobre seis poemas que integram a coletânea de poemas “Aos meus homens”, livro de Marcelo Ricardo.

“Adé” é uma palavra iorubá, conservada pelos terreiros tradicionais de candomblé, voltada para identificar homens que escolhem outros homens da comunidade para amar. O termo é amplamente difundido no município da Ilha de Itaparica (Bahia), território cultural de onde o autor tem forte ligação religiosa.

Utilizando da perspectiva da comunidade-Terreiro, o autor aborda temas como infância, subjetividade, sexualidade, ancestralidade africana, potência da gestão matriarcal, aspectos dos gêneros por um prisma racializado e relações diversas entre homens pretos.

O caminho traçado no filme apresenta uma personagem multifacetada que se transforma diante das suas memórias, confissões, vivências e fluidez, na tentativa de se acolher medidas mais significativas do termo afetividade.

Reafirmando o olhar o africano sobre os sentimentos dos homens negros, a trama toca em pontos nodais para circundar alternativas e transformar esperanças frente a cenário hóstil ao masculino negro representado midiaticamente como violeto ou corpo abjeto, no tocante também à sexualidade, que para as comunidade religiosa é uma identidade que inaltera uma comunidade baseada em valores africanos.

Ao tomar como definição a escrita Adé, o poeta apresenta lança “Aos meus homens”, composta com 100 poemas que fornecem um olhar para as masculinidades negras objetivando ampliar o significado de intimidade e afetividade. Homens que referenciam e educam outros homens, homens que flertam com outros homens, entre outras figurações do masculino negro, que tem sua história subrepresentada nos notíciairos e também na literatura. Reconhecendo esta lacuna como problemática, o autor se empenha em construir soluções poéticas e mais próximas a tais realidades. Neste trabalho são apresentadas cenas poéticas de relações diversas como paternidade, familiaridade de axé, irmandade e também de encontros afetivos. A coletânea depreende um intervalo para elaborar um manual do homem negro que subverte a lógica opressiva que desboca nos privilégios do machismo, emoldura desta forma um homem que sente, que ama, que se desilude, que sofre, e que se orienta pela espirtualidade e sua ancestralidade africana.

Assumidamente, o projeto se interessa por romper com a lógica que resume a observação de um determinado fenômeno, servindo-se de um expediente apreendido com os adés de sua comunidade sobre vários sentidos que concebem mundos diferentes. Para isto, são utilizados recursos poéticos e estilísticas anteriormente suprimida de narrativas de pessoas negras, como as especulações fantasiosas sobre o futuro (afrofuturismo), bem como o universo das sensações como o sonho, a imaginação e o transe como afirmado no surrealismo.

“Adé”

Para impulsionar a produção editorial, o projeto “Adé” se configura como a elaboração de vídeo arte que passeia sobre a vida e a criação literária do autor, de forma a amalgamar o processo e ilustrar 7 poemas, os quais também são disponibilizadas em plataforma musical de streamings, em que condensa a essência do produto realizado.

O livro conta com recursos da Lei Aldir Blanc, através do Prêmio das Artes Jorge Portugal, por meio da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Já o projeto Adé, tem apoio financeiro da Pro Reitoria de Extensão da UFBA. A seguir detalho um pouco da construção cênica:

Em Balanço, me reconheço na tradicional e debochada narrativa do herói. Ali são os primeiros passos para uma iniciação no que é saber ser ancestral. Esse momento eu compartilho com a lembrança do meu irmão sobre uma tarde de nossa infância, da qual não detenho memória, mas ao ouvi-lo redesenho uma existência que é possível no afeto, no voo que é ter impulso nas mãos novinhas de meu irmão. Aqui estou também num movimento que é sempre continuado, pendular e ligado a uma estrutura. Na cena, o balanço não existe, mas há uma sorte em se saber balançar. Vestir esse poema é um misto de paz e guerra, transmitido desde os figurinos em branco e vermelho da Bixa
Costura à montagem frenética elaborada por Sidney Alaomin, que ouve as marcadas passadas sonoras sintetizadas por Larapio.

Desconfortavelmente, chegamos à Consentimento, aqui eu apresento o antagonista. A sexualidade, ou melhor, a má compreensão dela por si é vista como um oponente. Obviamente não se pode perder de vista que o arranjo opressivo dado a sociedade é pensado como um “normal” em linha de produção, mas que, a peça deve ser pensada em si. As luzes vermelhas e azul detém meu corpo, vigia-o e esquadrinham os movimentos na sequência desenhada pela direção de fotografia de Wendel Assis. Produzida no estúdio cedido de modo cordial pelo também artista da palavra Gilluci Augusto, a tentativa cênica é emular uma marionete que se rebela em meio as cordas, mas que acorda de também de seu contorcionismo com determinadas dores.

Adé a faixa homônima do vídeo arte que vai apresentar a razão pela qual retiro esse poema do livro para criar esse cross over literário. Adé é o anúncio de um guardião, sua iniciação num saber que independe das condições atuais de sua existência. O espaço em meio ao verde, os pés ao chão, e a esvoaçante coreografia de um xirê (festa que se faz em anti-horário) que sorteia memórias e filosofias africanas que perambulam e preambulam por nós em diáspora.

Em Nego do Outro, a faixa que pode ser escutada na íntegra em plataformas de streamings de música, eu tento reuni o que há de casual e trivial das fofocas sobre a sexualidade alheia ao que há de urbano e em circulação de saber como as batidas de vogue. Sinto que os gestos movem-se no tempo das batidas do samba-reggae e é nessa entre pontes que convido a escutarem as faixas do projeto Adé entre um outro momento que se rola entre os app do seu dispositivo.

Me chame de Mãe eu destaco o feminino como quem nos ajuda a aguar o masculino dissolvendo marcas ocidentais que nos emolduram e nos encaminha naquela esteira de produção, que falava anteriormente, que nos leva a destruição. Nessa faixa eu também revelo saudades, lembro que mãe é um paradeiro ancestral, é quem nos defendem no corte dos mundos, é quem nos ajuda a entender o delicado, mas a saber também força.

Me Chame de Mãe

Por fim, Rezo para o sol em você traz um tom híbrido entre oração e bocejo, é um som sóbrio do que se é, é um pedido de pazes a uma criança preta amargurada, é um dengo que desperta junto depois de uma noite ruim, é um guardião que é visível no nosso rosto em cada amanhecer no espelho. É no alto, em contraluz, e nas mais diversas formas que percebo onde cheguei, no delicioso momento de pertencer.

Todo trabalho, desde a sua produção de arte em que dirijo e roterizo é uma viagem ao interior, e por mais solitário e individual que possa parecer, diz de uma caminhada de outros tantos meninos pretos não-heterossexual e sem referencial de ancestralidade. É um ponto de encontro.

Adé é um alívio sensorial, que enquanto narra seu itinerário refaz simbologias para um futuro que se encontra no passado. É sobre protagonizar a história não-heterossexual em África e na diáspora, ainda assim, é sobre a marcha de muitos.

Flor da Baobá

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