Antônio Cunha é ator, dramaturgo, roteirista, diretor de teatro e poeta. Nasceu e reside em Florianópolis-SC. Como dramaturgo, possui mais de oito peças encenadas. Publicou em 2004 o livro “Três D(r)amas Possíveis”, com textos teatrais de sua autoria, dentre esses “Dona Maria, a Louca”, que recebeu montagens em Santa Catarina, São Paulo e Portugal. Como diretor de teatro dirigiu diversos espetáculos, a maioria deles pelo Grupo Armação, de Florianópolis. Também é diretor cênico e vice-presidente da Cia. Ópera de Santa Catarina, tendo dirigido a montagem de mais de 12 óperas, dentre essas La Traviata, A Flauta Mágica, O Barbeiro de Sevilha, As Bodas de Fígaro e Carmen. Desde 2011 faz parte da Academia Catarinense de Letras e Artes e desde 2016 é seu presidente. A partir de março de 2020, em decorrência do isolamento devido à pandemia do coronavírus, vem desenvolvendo projetos de séries em vídeos interpretando poemas e textos de autores diversos. Já produziu e interpretou a série Outros Autores, com 239 vídeos postados, e atualmente está em cartaz com a série Do InVerso a Toda Prosa, ambas disponíveis no seu canal do YouTube: Antônio Cunha – Teatro e Literatura.
Diferentemente do que muitos afirmam, não penso a arte e o processo criador como algo relacionado ao espírito, um acontecimento sublime, uma pura inspiração. Claro que tem a ver com sensibilidade, mas não com um evento divino ou místico. Talvez dizendo isto eu esteja, para muitos, tirando a poesia da coisa, mas não vejo de outra forma. Portanto, o processo pelo qual passa o meu fazer artístico, seja na escrita, seja na direção ou na atuação, é fundamentalmente cerebral; uma questão que envolve pré-disposição, conhecimento, discernimento e habilidades. Mas quando afirmo isso não estou eliminando desse processo os sentimentos, as emoções, os desejos, pelo contrário, tudo faz parte do conjunto que me forma.
Então, com base nisso, posso afirmar que o meu processo de criação é contínuo, embora, às vezes, latente. O processo, não a execução. Digo contínuo porque a arte se nutre daquilo que fazemos, vemos, ouvimos, cheiramos, comemos, tocamos, sonhamos e, claro, pensamos. Penso a arte como uma construção cotidiana. Apurada, porém corriqueira, como o ar.
Confesso que antes de compreender que o processo criador é contínuo, embora irregular, e aprender de certa forma administrá-lo, sofri as suas agruras muito mais do que sofro agora. Os momentos de efusão criativa geravam ansiedade e os momentos de lapso criativo geravam melancolia, sensação de vazio ou mesmo de incapacidade criativa. Pode parecer contraditório falar em lapso dentro de um processo contínuo, mas os lapsos fazem parte do processo, como as planícies e as montanhas podem fazer parte de uma mesma paisagem.
Feito este preâmbulo, já tendo dito que tenho transitado pela escrita, principalmente a dramaturgia, esporadicamente pela poesia, pela direção teatral e pela atuação e mesmo entendendo que tudo isso faz parte de um só fazer, para não me estender além do necessário vou me ater às particularidades da atividade que tem preenchido os meus dias neste último e longo ano de recolhimento pandêmico.
O ano de 2019 foi o ano em que me reencontrei com o palco, como ator, depois de um intervalo de aproximadamente treze anos em que me dediquei exclusivamente a escrever e dirigir. Com exceção de algumas participações como ator no cinema em Santa Catarina, não havia mais pisado no palco. Foi então que lancei mão de um dos meus textos, o monólogo “Dona Maria, a Louca”, que já fora montado por atrizes maravilhosas em Santa Catarina, São Paulo e Lisboa e decidi arriscar uma volta encarnando essa personagem. Aproveitei que o texto completava 20 anos em 2019 e realizei a ousadia para comemorar, fazendo uma leitura encenada, que acabou, com o tempo, se tornando um espetáculo híbrido. Consegui fazer algumas apresentações em Florianópolis e arredores e uma apresentação em Lisboa, no mesmo teatro e sob os auspícios da atriz e diretora que viveu a personagem por lá, a grande Maria do Céu Guerra. Chegado o ano de 2020, planejei mais algumas apresentações, já que era possível realizar o trabalho em espaços pequenos e alternativos, o que favorecia a circulação. Porém, chegou a peste e todos os planos caíram por terra. Esperava ingenuamente que pudesse retornar em breve. Ledo engano.
O retorno ao palco, depois de um longo tempo, me deixou excitado e eu não queria parar assim. Sabia, obviamente, que estava retornando mais disposto, com mais conhecimento, com mais discernimento e com habilidades mais desenvolvidas, ou seja, maduro, portanto, mais evoluído. O que fazer? Esperar até quando?
Separei alguns dos meus poemas e comecei a gravar vídeos dizendo-os e postando-os no meu perfil no Facebook sob o título Diário Poético. Foram 33 dias postando 1 poema por dia. Mas durante o processo percebi que, primeiro, não seria possível, pois não é assim que acontece comigo, ter o compromisso de escrever um poema por dia (os poemas já escritos estavam chegando ao fim) e, segundo, que havia um mundo literário imenso, de outros autores, a ser explorado pelo ator.
Nascia assim a série Outros Autores. Busquei na minha humilde biblioteca os livros que dispunha e passei a selecionar poemas e trechos de obras em prosa. Experimentei um novo formato, com uma iluminação mais dramática. Aos autores dos quais eu dispunha do contato, propunha a parceria. Nenhum se negou. Mas a minha biblioteca não era o suficiente. O fato de postar um poema por dia logo fez com que o meu acervo se esgotasse, já que a ideia era não repetir ou pelo menos não repetir com frequência os autores. As respostas do público que passou a acompanhar a série foram se avolumando e, dentre esse público, autores de diversos lugares do Brasil, África (Angola e Moçambique), Europa (Portugal e Espanha). Passei e receber pedidos de muitos autores oferecendo seus poemas. Passei também a solicitar textos e poemas de outros autores com os quais eu já me relacionava ou passava a me relacionar devido à série. E assim cheguei a produzir e publicar 239 vídeos da série Outros Autores.
No final do ano de 2020 bateu um certo cansaço e uma sensação de esgotamento do modelo e pensei em parar. Preferi tirar um tempo para pensar e reelaborar. Não demorou muito e decidi retornar com uma nova série que contemplasse textos de outros autores e textos meus, poéticos ou não. Estreou então, no início de 2021, a série Do InVerso a Toda Prosa, com duas postagens por semana, às terças e às sextas-feiras.
Nas duas séries o processo é basicamente o mesmo. Procuro ler inicialmente o texto com olhos de leitor, experimentando tudo o que ele tem a me oferecer. Depois, com os olhos do ator, agora experimentando tudo o que eu tenho a oferecer a ele. Passo a encará-lo como uma pequena peça ou uma cena de cinema, analisando a sua estrutura, as suas possibilidades cênicas. Às vezes é uma história completa, às vezes um recorte de uma, às vezes um pensamento, às vezes um sopro. Não importa. Importa é se eu posso e quero dizê-lo, interpretá-lo. Não sou atraído pela beleza, pela estética do texto, embora seja importante. Não busco num poema o conforto. Prefiro o desconforto. Não quero que o poema me deixe sentado extasiado na poltrona, mas que me arranque dela. Não espero que ele me tire o chão, mas que me jogue nele.
Alguns tratam, por hábito, o trabalho que faço como declamação. Mas eu me esforço para fazer algo diferente de uma declamação. Cada interpretação procura ser única, embora o formato dos vídeos seja mais ou menos padrão. A inserção de música ao fundo, que passei a utilizar já no final da série Outros Autores, foi um complemento dramático encontrado. Ponho a rodá-la no momento da gravação e gravo-a no mesmo áudio do vídeo. Isso porque passei a encarar a música como parte integrante do texto, contribuindo para o ritmo da cena.
Talvez muitos autores vejam o seu poema interpretado de uma maneira que não imaginavam, positiva ou negativamente (felizmente sempre tive e continuo tendo retorno favorável dos autores e eu acredito que estão sendo sinceros). Mesmo assim, sempre faço questão de dizer que é somente a minha interpretação. E o poema poderá e terá outras infinitamente. Por isso, estabeleci desde o início não submeter o vídeo à avaliação prévia do autor. Não é um trabalho feito por encomenda, é um trabalho autoral no que diz respeito à concepção cênica.
Sinceramente não sei por quanto tempo deverei e poderei levar este projeto, mas, se fosse parar hoje, tenho plena consciência de que consegui, de alguma forma, criar uma pequena amostra da produção literária (especialmente poética) da atualidade, em boa parte de autores e autoras que ainda não obtiveram a merecida visibilidade. As séries continuarão disponíveis no canal do YouTube: Antônio Cunha – Teatro e Literatura, com acesso irrestrito.
Seu trabalho é inspirador e me leva a pensar em construir algo a partir da sua experiência, que possa vir a trazer luz a grandeza dos escritores catarinenses.
Sou escritor, poeta e intérprete e tenho uma obra publicada nominada “OLHAR NEGRO” e estou concluindo um livro em homenagem ao multifacetário das artes “Alzemiro Lírio Vieira” obra que intitulei de “NOS PASSOS DE ALZEMIRO”.
Sou seu fã e para você eu tiro o meu chapéu. Forte abraço.