Tradução de Marcus Groza
Jesús García Mora, Tijuana, 1986. Escritor e professor. Autor dos livros Detrás de la caja registradora, Ediciones El Humo (Querétaro/2016),Tengo la noción de lo que es un martillo, ICBC (Mexicali, 2017) e El rumor de mi hermano, Pinosalados ediciones (Baja California, 2021), que foi publicado em versão bilíngue pela Isto Edições, com tradução de Marcus Groza (Porto Alegre, 2023). Tem poemas nas seguintes antologias: Somos poetas ¿y qué? Vol.2, (H)onda nómada ediciones (México/2011), Poesía y narrativa hispanoamericana del siglo XXl, Lord Byron ediciones (Madrid/2014), Anuario de Poesía de San Diego, Garden Oak Press (California/2016, 2017, 2018, 1019). Integra o comité organizador do Festival Internacional de Poesia Caracol, de Tijuana.
Poemas do livro “O rumor de meu irmão/ El rumor de mi hermano”, de Jesús García Mora (Isto É Edições – 2023).
Irmão você é a chuva o granizo e a neve, mesmo que em Tijuana não neve
é a água com que me banho é minha urina
meu desejo de ser rio minha diluída esperança de não ter medo nos olhos.
É o álcool que consumo minha embriaguez.
Irmão é as montanhas que se movem com a maré
brisa que ao longo dos anos carcomeu o porto.
Mano todos acreditam que o mar de estrelas
é por causa das bactérias ou das noctilucas.
Sei que é você cuspindo os pesticidas
Sei que é você arrancando os produtos químicos
Sei que é você todas as noites mostrando sua cabeça deformada
Sei
que
são
as
ondas
falando
por você
O que a ciência não aceita
é que há uma cidadela dentro do útero da minha mãe
está 56 anos escondida.
Não é a Antártida ou Hy Brazil
meu irmão o sem nome
a protege e nos observa pelo umbigo.
A ciência logo terá que se retratar
todos os segredos do mundo estão na colônia Libertad
todas as respostas nas mãos invisíveis do não nascido
deus é uma criança que nunca nasceu
deus ia carregar os sobrenomes dos meus pais
mas alguém sem autorização decidiu que não nascesse.
Para que as coisas existam há que se comer o veado
mas é difícil quando em sonhos ele se converte em bisão.
Te ofereço Deus huichol estas linhas em troca de ver o cosmos
te ofereço Deus huichol estas linhas porque flechas e cabaças não tenho
te ofereço Deus huichol estas linhas que são a chuva
os raios e o sangue dos sacrificados em troca de não voltar para prisão
te dou estas linhas que são o gado que agoniza
te dou estas linhas mas não volte por favor.
a dançar na minha sala a mostrar suas cores a correr nas minhas paredes.
Tata Sol
apesar de ter nascido na fronteira
acredito em você
em seus raios dourados que iluminam
estes morros sem árvores
em suas janelas que me protegem
dos vendavais desse deserto
em seu calor e a importância da água.
Tata Sol você que não tem religião
mas seu templo é a terra
protege este chão
tão infestado de pesticidas
tão revolvido pelos tratores
e nos banha com a verdadeira água benta da serra
A ideia era escrever um homônimo juntando minha vida e a do herói de Nacozari
mas as circunstâncias mudaram.
Meu nome já não é mais meu nome
me chamo como meus pais meus avós meus tios e irmãos
levo todos os nomes neste corpo que se despe para sentir
nestes pés que se descalçam para se unir à terra.
Eu não dirigi a locomotiva 501
nunca estive em um trem
eu não salvei as pessoas jamais pude salvar ninguém.
meu nome foi apedrejado enquanto dormia
minha vida se assemelha à do filho do Rei Nayar
eu também me atreveria a matar um intruso.
Eu sou o filho do pé de tangerina de laranja de limão
das bananeiras das roseiras e dos tomateiros
sou o filho da cana da terra que lavrou meu avô
sou a nata que se forma no leite cru.
Queria ser como o herói de Nacozari de verdade eu queria.
me imaginava na forja com meu pai usando botas e jeans
mas preferi o tênis e viver em Libertad sempre em Libertad
porque aqui a coisa é violenta como nos subúrbios
se você não se equilibra a correnteza leva.
Aos doze anos minha mãe andava descalça pelos morros
em uma das mãos água e na outra sementes
ao fundo o velho fazia seu arado
e por trás dele um caminho de leiras.
Minha mãe corria sobre terra e pedras
tirava água do poço marinava feijões e arroz
fervia o leite cru pra alimentar aos meus tios
à tarde passava na ponte
para ver o sol se pondo no rio.
Minha mãe com suas plantas desenhava as ruas do rancho
tudo o que escrevi sei que foi tirado dos pedregulhos do vilarejo
meu avô é um verso que vai se forjando nas minhas mãos.
E lá nas imediações dos bananais
onde não bate sol
onde a gente se afunda na umidade da terra
lá minha mãe inventava poemas com os pés.