5 Poemas de Marianella Sáenz Mora (Costa Rica, 1968)

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Curadoria e tradução de Elys Regina Zils

Marianella Sáenz Mora (Costa Rica, 1968). Graduada em Turismo pela UMCA e ULACIT. Poeta, narradora, gestora cultural orientada para a ação social. Também escreve haicais e literatura infantil. Facilitadora de oficinas de promoção da leitura de poesia contemporânea, de criação literária inicial e da poesia como ferramenta terapêutica. Publicou três coletâneas de poemas e participa de mais de vinte antologias internacionais. Sua obra obteve reconhecimento dentro e fora de seu país, incluindo o Primeiro Lugar na categoria de contos do Concurso Literário Gonzalo Rojas Pizarro, Chile (2020) e o Segundo Lugar em Poesia no Concurso Literário Brunca (2015), Sede do Oeste de a Universidade Nacional da Costa Rica.


DÉJÀ VU

Todos os dias um homem
passa à mesma hora
pelo mesmo trecho da calçada.
Vai com as mesmas roupas
os mesmos óculos
os mesmos cães.
Seus caninos sempre se sentam
à beira da calçada
pouco antes de atravessar a rua
onde ele sempre olha para os dois lados
enquanto dá instruções aos cães
sobre como chegar com segurança à outra calçada.
Eles se coçam, se cheiram
antes de continuar a caminhar
e mostrar a ele
que entenderam suas palavras.
Ele não sabe
que na terra que Ernesto fez sua
há um cruzamento idêntico
com quase o mesmo grafite impresso na lateral,
também não sabe
que este é outro dia
um loop temporal em que talvez permaneça preso.
Ele sonha que é livre
dono do seu tempo, das suas ações
dos gestos mínimos
que são o fluxo da sua vida
embora invariavelmente
todos os seus dias se repitam
assim como se repetem as horas
as esquinas e os cachorros.


EVOCAÇÃO DURANTE A CHUVA DE MAIO

Homenagem a Federico García Lorca

Era realmente necessário
contemplar o nascer do sol fumegante
ou perseguir as pombas negras
que se afastam sobre o fedor das águas
para ter certeza da noite,
da ignomínia das formigas,
e da clara orfandade do vento?
Era realmente necessário Federico
que dormisses então mudo, eterno
sem mais cravo do que a palavra travessa
com seu peso de mármore
e sua face solitária
revendo o silêncio nos olhos da estátua
quando as crianças riem
enquanto lentamente, lá fora,
mais uma vez, caem as amapolas?
Mas então não sabias
que a varanda aberta
era apenas um convite indecifrável
vagando no aroma do trigo ceifado
porque já, naquele momento
entre manjericões, ervas e príncipes,
cingias baladas e canções
odes ao desejo desse amor
que, como homem,
reivindicavas de um semelhante.
E assim hoje, a lua
testemunha do fuzilamento injusto
dissolve-se entre reflexos amarelos
e o impressionismo musical de Debussy
que desde então
costura nossas mãos
enquanto se espalha pela cidade
semelhante a uma valsa na primavera.
Mas vamos, vamos juntos!
Que toquem os sinos e as danças
enquanto nos recitas cássidas e poemas
porque sabemos bem
que a verdade é uma gazela vencida
simplesmente ungida com ouro, incenso e mirra
enquanto, por uma janela, em Sevilha,
uma menina dourada,
freira, donzela ou cigana,
murmura melodias ao perceber que a vida
é apenas um latido que desaparece de surpresa
atrás de uma briga emaranhada.


A ÚLTIMA TENTATIVA

Um pequeno frasco de comprimidos
rola no chão,
âmbar, o vidro do frasco,
âmbar, o reflexo da luz que o atravessa
enquanto as palavras giram assustadas,
voando pelo céu raso.
Avellaneda é outra, também Paris
e tu, Alejandra.
Talvez, se lhes lançares para o caderno
carregado de análise da perfeição mortificante
de obras em que revelas genialidades
os sussurros se calem e finalmente parem
de mostrar-te os dentes.
Não, chega de tentativas de suicídio, Pizarnik,
não com os pés descalços.
As anfetaminas hoje são insetos sob tua pele
gotas que picam ao caírem sobre teu tato.
Um sedutor Príncipe Palhaço
brinca com tua mente, toca tua pele
te seduz vestido de mulher
e desliza o frasco âmbar entre suas mãos.
Olhas o cartão-postal de Frida Kahlo e suspiras,
tu, também atravessada,
despossuída, órfã
transida pelo amor guardado em silêncio;
tu, menina-monstro incompreendida, tu conseguiste,
não sorrias, tocavas o fundo
lá fora, a coruja lastimosa foge
com seu olhar também âmbar
enquanto tua coleção de lápis de cor
inúteis, mas lindos,
aguardam em silêncio que alguém te encontre e finalmente fechem teus olhos.


ARCA DE CONFISSÕES

Continue assim,
do teu lado esquerdo,
com as costas salpicadas pelos meus sonhos.
Não interrompas com tua respiração
o falacioso monólogo de minhas confissões ocultas,
hoje disfarçadas de sombras,
para onde convergem urgentes tantas coisas
que me são queridas,
ainda no início do silêncio
e suas longas noites.

Continue assim,
proteja-te dos meus medos,
da culpa delinquente que me corrói
por ter adiado tantos sois,
sem o prazer insolente dos teus beijos.

Continue assim, meu amor,
sem desvanecer com a fadiga,
a rotina ou o desânimo.
Deixe-me nomear-te para sempre como oásis,
arca onde renasce meu nome,
aliança fora do tempo,
sensação constante do meu gosto
homem alado de todos os meus acertos.

Continue por mais um momento ao meu lado
vestindo tuas pupilas com minhas estrelas,
teus lábios com a precisão dos meus desejos.
Reencontra-me vestida de escuridão,
para indagar meu sexo,
a origem do meu cabelo gotejando sussurros,
e semear sobre minha pele
o tremor da promessa
inscrita em tuas mãos.


O RUÍDO DAS COISAS PERDIDAS

A noite se estende
tentando romper
encruzilhadas de sanidade.

Escuto o barulho incansável
de um mundo conturbado
que parece distante:
o choro de uma criança,
um cachorro que late,
o som dos motores acelerando
na rodovia,
o vento…

Cada um me remete
a histórias que se escondem:
histórias de dor e de medo
de solidão e assédio.
Histórias tatuadas na pele macia de nossas crianças,
nos olhos esquivos por trás dos cabelos longos
de algum adolescente
que só quer transmutar em um sopro,
o silêncio que o amordaça e vence.
Juventudes ignoradas,
sem espaços
que se dissipam
quando o acelerador
de seus veículos excede seus desejos de vida.

E sabemos que a inocência está à venda,
que a infância é empurrada às pressas
ao seu fim,
que ser jovem não significa nada
pois seus rostos são desenhos incompletos
e indecifráveis.

Adornamos a injustiça com lantejoulas
em um mundo fútil
que nos subjuga e envolve
como um oceano lapidário
da nossa própria existência.

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