5 Poemas de Carlos Manuel Villalobos (Costa Rica, 1968)

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Curadoria de Elys Regina Zils
Tradução de Gladys Mendía

Carlos Manuel Villalobos (Costa Rica, 1968). Recebeu, entre outros, os seguintes reconhecimentos: Prêmio Internacional de Romance Curto “Diário Jaén” (Espanha, 2023); Prêmio Internacional de Poesia “Vicente Rodríguez Nietzsche” (Porto Rico, 2023); Prêmio Internacional de Poesia “Dolors Alberola” (Espanha, 2022); Finalista do Prêmio Internacional de Poesia Pilar Fernández Labrador (Espanha, 2022); Finalista do Prêmio XXVI de Romance Cidade de Salamanca (2022); Prêmio UNA-Palavra no gênero conto (Costa Rica, 2019); Prêmio Brunca da Universidade Nacional da Costa Rica (2014) e Prêmio Editorial da Universidade da Costa Rica (1999). Entre suas publicações literárias destacam-se: Um rio sonâmbulo (2023, poesia), Mudança de Deus (2023, poesia); Fossário (2022, poesia); Os extremos da imaginação (2022, ensaio); Curação da loucura (2020, conto); Altares de cinza (2019, poesia); O cantar dos ofícios (2015, poesia); Trânsitos da ferida (2015, poesia); O ritual dos Púlpitos (2014, dissertações); Insectidúvidas (2009, poesia); Tribulações (2003, conto), O primeiro trem que passar (2001, poesia); O livro dos prazeres (romance, 1ª ed. 2001, 2ª ed. 2019); Cerimônias desde a chuva (1995, poesia) e Os trajetos e o sangue (1992, poesia). É doutor em Literatura Centro-americana, mestre em Literatura Latino-americana e licenciado em Jornalismo. Atua como docente na Universidade da Costa Rica, onde leciona Semiótica e Teoria Literária. Nesta instituição, exerceu como vice-reitor de Vida Estudantil e diretor da Escola de Filologia, Linguística e Literatura. Ministrou cursos em universidades dos Estados Unidos, México e Espanha, e participou como escritor convidado em festivais literários na Espanha, Alemanha, Egito, Marrocos e em diferentes países da América Latina.


DESÂNIMO DO PAI

Eu acreditava que a tristeza era o gesto natural de todo pai.
Não sabia então que também os rios mentem
e que é velho o costume de afundar o rosto debaixo das suas águas.

Mas este pai
eu soube depois
vendia a nostalgia nas cantinas.

Quando finalmente chegava em casa
era um corpo de réptil sem forças.
Não era o mesmo.
Vomitava demônios à margem da culpa
Pelo nariz
em forma de brasas derretidas
escorria o medo.

Minha mãe
do susto
pedia à Virgem do Carmo que fizesse sol para acalmá-lo.

Os cães
do susto
corriam para abrir a noite para se tornarem cegos.

No outro dia
um caldo de galinha curava-lhe a vontade de suicídio
e então ele jurava que nunca mais iria morder a água do desânimo
ele me jurava com os dedos cruzados sobre a boca
ele me jurava pelo sagrado coração de Jesus no calvário

mas os rios são fracos
e mentem para as crianças
como um pai quando tem sede
e nada o detém.


A ANGÚSTIA

Em meados de novembro algum deus embriagado vomitava o céu.
Lembro-me bem porque os cães se transformavam em poças de água
e o rio,
engasgado de chuva,
corria para se abrigar na cozinha da minha avó.

Molhava-se a nossa fome
e a água de lavar o medo.

Um rato prestes a morrer era o sol daqueles dias.
Entrava pelas frestas
e pedia,
quase no escuro,
um pouco de cânfora para os seus ossos.

As benditas almas do Santo Purgatório
ouviam nossas preces à noite
e apesar dos lamaçais
vinham aquecer o fumo e a cinza
mas a santa vontade de Deus é assim,
diz a avó,
e ninguém seca,
sem a sua mão,
a umidade da pobreza.


O FIM DA MISÉRIA

Chegou um homem com um papel em chamas
que falava do futuro.
Pediu que seu nome deslizasse de boca em boca
que inundasse os caminhos
e que a fumaça de seus gestos subisse à montanha.

Disse que víssemos suas telas de potro cândido
e o dedo de Deus que o seguia.

Jurou que sua missão era limpar o povo dos lamaçais
deixados pelo rio
e que nunca mais a chuva destas colinas morreria de febre.

Jurou que uma palavra sua
uma palavra sua bastaria para haver uma segunda-feira
uma escola
um caminho
ou o fim da miséria.

Quando ele partiu, não entendi por que as pedras do rio vomitaram lagartos sujos.
Não entendi por que naquela noite meu pai afiou uma maldição
e cortou os dedos.


OS MACHETES BÊBADOS

Minha mãe arrancou os olhos da janela
e escondeu-me no quarto.

Lá fora uma voz discutia com o trovão
e em nome do meu pai pregava maldições.

Eu teria querido não entender as pernas
que tremiam no corpo da minha mãe
mas lá fora uma mão
e uma faca
exalavam o fedor dos infernos.

É um machete louco que está bêbado,
sussurrou minha mãe.
É um bêbado que está machete de loucura,
conseguiu dizer avó.

A faca falava em matar o rio
e a mão fiel à lâmina o seguia.

O rio soube a tempo que o procuravam as feridas.
Sabia bem que seus inimigos nesta vila
quando estão bêbados não respeitam arames farpados.

Então selou o medo
e fugiu para a caverna onde dormem os que fogem.

O machete jurou que cortaria seus joelhos até vê-lo ajoelhado
jurou que cortaria sua língua até vê-lo sem palavras.

Minha mãe abriu a porta e arrancou-se o silêncio.
Pediu-lhe que esvaziasse os demônios.
Disse-lhe que em nome de Deus se fosse,
que meu pai não estava,
que agora mesmo era um rio,
rio abaixo,
onde não é possível que cheguem vivos os machetes bêbados.


ASMA

Eu nasci com um gato dentro que miava noite a noite.
Dormindo no meu peito falava dos trovões
em uma língua de fantasmas.
Minha mãe o alimentava com óleo de tomilho
mas o gato queria conhecer o ar
queria conhecer o ar
e arranhava meus pulmões
como se lá estivesse a porta de uma prisão.

Às vezes tapava minha faringe com lagartas
e não havia outro remédio senão matá-las
com o barulho de um cavalo.

Não servia o fumo dos grilos
nem a água da pedra virgem.
O gato queria conhecer o ar
queria conhecer o ar
e eu ouvia seus rosários
e as unhas da insônia
e um pequeno beija-flor trancado
no fundo do seu pobre peito.

Talvez o assustasse a erva de mascar lembranças
que tinha meu pai
ou talvez a agulha de tricotar feitiços
com que minha avó tecia
as palavras de cada dia.
O caso é que uma tarde
não sei como
o gato abriu minha boca
e saltou pela janela.

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