3 Poemas de Harold Alva (Peru, 1978)

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Curadoria e tradução de Elys Regina Zils

Harold Alva (Peru, 1978). Escritor, editor e analista político. Diretor da Editora Summa. Preside a organização do Festival Internacional Primavera Poética e a Fundação Ibero-Americana para as Artes. É autor dos livros: Ejercicios de escritura (2024), Ceremonia (2023), Tocado por la lluvia (2022), das antologias poéticas A tiempo completo (2021) e La épica del desastre (2020). Participou como expositor em diversas feiras de livros e festivais de poesia nos Estados Unidos, México, Colômbia, Equador, Bolívia, Chile, Argentina, Espanha e Portugal. Antologista de La primera línea, e diretor de Poesia Ibero-Americana, coleção de cem títulos publicada em 2020 com a Prefeitura de Lima. Diretor fundador da ContraPoder, foi diretor cultural da Câmara Peruana do Livro, apresentador e produtor de programas de rádio e televisão. Foi coordenador geral da Feira Internacional do Livro da Universidad Juárez Autónoma de Tabasco, 2024 (México).


AS VÉRTEBRAS DO FOGO

Sobre tua sombra sangram os bicos das águias
Os ossos da caveira
Que sintoniza frenética meus sonhos
Este pesadelo que me lança ao sótão da abadia
Onde repousa incólume teu corpo
Tua estrutura de gata
Teu alento que ingressa como um tornado em minha cela
Como uma serpente que petrifica a tarde e seus motivos
A tarde e esta sentença que insulta
                                    o voo das gaivotas
A estela que denuncia tua condição de fera
Teu sangue que se mistura com meu coração de fera
E o possui como um leopardo que intui
A destruição destas palavras
Como um leopardo ansioso que corre na savana
Que incendeia o reflexo dos mananciais
Onde habitam como algas meus silêncios
A onírica catedral que exculpa tuas ausências
A linguagem de outra tribo que uiva como um coiote
E eu te espero assediado por este labirinto
Por esta rajada de culpas que desfazem
                                     meu nome dos teus lábios
O mar suntuoso que ataca com sua brisa
A sonda que segura meus ossos como um crocodilo
Como a maligna besta que reina em meus pesadelos
O mundo onde despedaço esta mandíbula de fogo
Esta mandíbula de diamante
Esta mandíbula de tigre
De música que rompeu a solidão do equinócio
E eu te espero com meu terror às madrugadas
Com este medo que insulta as janelas dos edifícios
As portas que se abrem
E eu te espero e me lanço à tua frente
Como um Telêmaco que impreca
Para recuperar sua Ítaca
E tu: veneno da escuridão
Ilha canibal
Elevas tuas mãos à proa dos transatlânticos
E emerges como um anjo que transfigurou suas asas
Lá tua voz retorna
E as montanhas são as mesmas caveiras
                                     que subordinam
A língua desta cidade
Deste montículo de mortos e concreto
Tua voz depreda as estruturas sangrentas
                                     deste instante
Os músculos de gorilas que destroçam as plantações
As chácaras onde mudei de pele
                                    com o repertório de outros corvos
E eu te espero para destruir as cercas
A sórdida estrutura das cavalariças
Onde um potro
Escreveu teu nome na fronteira.


LIMA

A física das tuas mãos contradiz minhas leis naturais
A devoção por conservar o alento
Em uma gruta onde ninguém
Executa orações como cabalas
Versos como rajadas que atentam contra meus hábitos
Animais de enxofre
Demônios que saem à caça de um orate
Que se esconde noite após noite nos hotéis de Lima
Em seus intestinos de asfalto que esperam impacientes
O último estertor
Minha atípica presença de fantasma
E tu
Doce animal
Escala de cinzas sobre a orfandade do meu caderno
Brilhas como o anel do sol
Nesta época de catástrofes apocalípticas
Tu minha violenta partitura
Minha fera urbana de certeiros golpes
Minha besta incólume com quem apelo ao adjetivo
À sua virtude de janela de onde grito este poema
Com a ilusão de um cadáver
Que intui que sua morte não é definitiva
Que intui que tua morte não é definitiva
Que arranca o crânio
E o pendura nos varais do horizonte
Com a mesma prepotência de um sismo
Que sepulta as pontes e as casas
Tu
Ternura herege entre minhas mãos
Medo que me assalta durante a manhã
Enfrentas-te à física
E apareces em minha fortaleza imaginária
Deténs-te no centro com a precisão de uma pantera
E eu fico quieto
Sei que a lua é insuficiente quando leio tuas palavras
A noite também é insuficiente
A noite e seu grande olho
Que gira com a velocidade de um passo
Que em vão pretende conquistar-te
Quando apenas soou o apito
E o árbitro se instala com assombro
Em minhas decisões
Em meu poema
Em minha escuridão
Em minha boca que se abre
Toda vez que tu retornas com um verso
E Lima inteira se detém
E Lima inteira se inclina diante dos teus passos
E Lima inteira se comove com o fio da tua língua
Que parte em três a dicção do ar
O rumor dos calçadões
Meu grito que trepa os edifícios
E escreve teu nome nas janelas
E escreve meu nome na tua janela
E ninguém pode lê-lo porque carecem do espanto
E da capacidade de nossas visões
Do alfabeto que aprendemos a murmurar
Quando os dedos se formaram
Como as colunas de um exército
Que partiu para colonizar a pele
Com as membranas dos outros
E os outros ficaram lá
Solitários em seus corpos
Enquanto a vida se esfumava em outro lugar
E nós assimilamos a tensão dos acidentes
E assim nos reconhecemos
E assim incendiamos estas ruas
E assim desenhamos pássaros para esta noite
Pássaros para os bancos do Kennedy
Pássaros para nossas palavras
Pássaros para os olhos das paredes
Pássaros para a solidão
Pássaros para a língua que agora nos eclipsa.


CHUVA

Chove nesta cidade
e é como se um morto falasse
da terra que me acolheu na infância,
o velho moinho cujas hélices
os pássaros sorteavam o raio
e a velocidade dos relâmpagos,
meu pai à beira da estrada
com os braços abertos,
o coração em suas mãos, aberto,
protegendo-nos da água.

Há uma silhueta entre as árvores
a quem a chuva não toca,
uma imagem com a forma do meu perfil,
uma réplica da noite,
os pingos da manhã
salpicando o silêncio
o resplendor de uma palavra,
a sintaxe de uma aliteração
golpeando minha vontade,
suas mãos agarrando-se
ao brilho pontual das pombas.

Chove sobre a catedral,
chove sobre suas cúpulas de gárgulas,
chove sobre as poças onde salta
a lebre do dia
com sua cor de estátua;
chove aqui: dentro,
e não sei como evitar
a cerimônia
dos duendes e das fadas,
as regressões como um flashback
perturbando-me na forja.

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