Curadoria de Elys Regina Zils
Tradução de Gladys Mendía
María Teresa de las Mercedes Wilms Montt, também conhecida como Thèrése Wilms Montt (Viña del Mar, 8 de setembro de 1893 – Paris, 24 de dezembro de 1921), foi uma escritora chilena do início do século XX, considerada uma precursora feminista. Ela publicou: Inquietudes sentimentales, Buenos Aires, 1917; Los tres cantos, Buenos Aires, 1917; En la quietud del mármol, Casa Ed. Blanco, Madri, 1918; Anuarí, Casa Ed. Blanco, Madri, 1919; Cuentos para hombres que son todavía niños, Buenos Aires, Argentina, 1919.
AUTODEFINIÇÃO
Eu sou Teresa Wilms Montt
E embora eu tenha nascido cem anos antes de você,
Minha vida não foi tão diferente da sua.
Eu também tive o privilégio de ser mulher.
É difícil ser mulher neste mundo.
Você sabe disso melhor do que ninguém.
Eu vivi intensamente cada respiração e cada momento da minha vida.
Destilei mulher.
Tentaram me reprimir, mas não puderam comigo.
Quando me viraram as costas, eu enfrentei de frente.
Quando me deixaram sozinha, ofereci companhia.
Quando quiseram me matar, dei vida.
Quando quiseram me aprisionar, busquei liberdade.
Quando me amavam sem amor, eu dei mais amor.
Quando tentaram me silenciar, gritei.
Quando me bateram, respondi.
Fui crucificada, morta e sepultada,
Pela minha família e pela sociedade.
Nasci cem anos antes de você
Mas ainda assim vejo você igual a mim.
Eu sou Teresa Wilms Montt,
E não sou adequada para damas.
BELZEBU
Minha alma, coluna celeste de fumaça, eleva-se em direção
à abóbada azul.
Levantando-se em súplica, meus braços formam a porta
de alabastro de um templo.
Meus olhos extáticos, fixos no mistério, são duas lâmpadas
de safira em cujo fundo arde o amor divino.
Uma sombra passa eclipsando minha oração, é uma sombra
de ouro emplumada de chamas desenfreadas.
Sombra bela que sorri obliquamente, acariciando os sedosos
cachos de cabelo longo e luminoso.
É uma sombra que olha com um olhar de abismo,
em cuja borda flores vermelhas de pecado se abrem.
Seu nome é Belzebu, ele sussurrou em minha orelha,
causando-me calor e frio.
Meus lábios se gelaram.
Meu coração se tornou rubi vermelho e uma ardente forja
queima em meu peito.
Belzebu. Belzebu passou, desviando minha oração
azul para a negrura aveludada de sua alma rebelde.
Os pilares dos meus braços tornaram-se humanos, perdendo
sua forma vertical, estendendo-se com tremores de paixão.
As lâmpadas dos meus olhos brilham com fulgores verdes
acesos pelo amor, culpados e desejando se oferecer a Deus; eles seguem
ansiosamente a sombra de ouro envolta na turbulência brilhante
do fogo eterno.
Belzebu, arcanjo do mal, por que perturbar a alma
que se volta para Deus, a alma que havia esquecido as fantásticas
belezas do pecado original.
Belzebu, meu amado, minha perdição…
XXXVI
Quebra sua harmonia pálida a lua nos pilares
do longo corredor.
A sombra do meu corpo corre ao meu lado e carrega
minha inquietação. Ambas buscamos o refúgio de braços;
e na imensidão solitária, ambas doentes de amor,
escrutamos a noite esperando pelo amado.
As rosas brancas caem na grade formando
leitos nupciais; os lírios do campo
me oferecem um leito imaculado.
Há no ar uma inquietação erótica,
e em todo o jardim um desejo caloroso de posse.
Os pássaros nostálgicos lamentam a ausência
dos amores mortos, enquanto a fonte
cristalina entrega ao vento seu canto de paixão.
Grito e o eco da minha voz me assusta;
é um eco que vem de dentro de mim mesma; um eco torturado
espasmódico: o eco doloroso de um ser que
nunca conseguiu saciar a sede de amor que o
devora.
Gritei, como uiva a fera, para as montanhas,
em uma explosão de sentimentalismo que ela mesma não compreende.
Anuarí, onde você está?
Você não ouve a oração fervorosa que minha
alma dirige a você, à beira do seu próprio abismo?
Você, que é o gênio do bem, por que não ameniza minha dor?
Os lírios nos aguardam, recostando-se um no outro,
as cabecinhas acetinadas, e a noite aguarda sua chegada
para abrir os véus diamantinos de seu imenso pavilhão.
Anuarí, a natureza eleva ao infinito um hino magistral de amor.
MINHA RISADA SE AFOGOU
Minha risada se afogou no espelho.
Um longo rangido sinistro lançou para a noite o vidro prateado.
Um, dois… a hora se calou, metal frio de planeta na rigidez do ermo.
A lua, epiléptica de febre, se jogou nos balcões.
E o cadáver da minha risada é uma esmeralda macia
que, ao se desfazer, volta à superfície como argolas e cruzes brilhantes.
LIVERPOOL
Liverpool, Hotel Adelphi, 16 de outubro de 1919, 3h30 da madrugada.
Não consegui dormir. À uma da madrugada, quando estava prestes a me entregar ao sono,
percebi que estava cercada por espelhos. Acendi a lâmpada e os contei. São nove.
Encolhida, me encolhendo contra o lado da parede, tentei desaparecer na imensa cama.
Lá fora chove e pela chaminé caem grossas gotas, negras de fuligem.
Será que a noite está desmanchando?
Não tenho medo, faz muito tempo que não experimento essa sensação.
O vento me impressiona enquanto faz piruetas assobiando, pendurado nas janelas.
Não consigo explicar, mas aqui, neste momento, há alguém que não vejo e que respira
em meu próprio peito.
Baixo, muito baixo, eu digo a mim mesma o que congela, mas que não devo estampar
nessas páginas.
A sombra tem um ouvido com um tubo longo, que leva mensagens através da eternidade e
esse ouvido me ausculta lá, atrás do nono espelho.
ESTE É O MEU DIÁRIO
Este é o meu diário
Nas suas páginas floresce a larga flor da
morte, dissolvendo-se em seiva ultraterrena e
abre-se o lótus do amor, com a magia de uma
pupila estranha e clara diante dos horizontes.
É o meu diário. Sou eu desconcertantemente
nua, rebelde contra tudo o que é estabelecido,
grande entre o pequeno, pequena diante do infinito…
sou eu…
XXXIV
Eu me afasto…
Meu único desconsolo é não poder levar com minhas próprias
mãos flores para o túmulo avarento que te guarda.
Antes de ir, vou beijar sua testa rígida. Será
como um selo de pedra sobre outra pedra.
Estou indo embora fugindo de mim mesma,
da minha covardia e das minhas inquietações.
Não posso morrer de dor e a tortura moral que revoluciona meu cérebro
é mais forte do que a própria morte.
Vou embora como um aerólito que se desprende de uma estrela
e cai nos espaços trágicos do sangue.
Vou embora para aprender em outras penas a suportar as minhas
com mais coragem. Vou embora, Anuarí, e juro a você que até este
momento aguardei a ressurreição. Espiei seu sono pensando que
fosse leve, e fujo agora que sei que é de mármore, Anuarí.
Não me importa o mundo nem a balança medíocre que pesa
meus atos; poucas são as almas que amaram, gozaram e sofreram como eu.