3 Poemas de Bruno Pólack (Peru, 1978)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Bruno Pólack (Peru, 1978). Poeta e editor. Formado em Direito pela Universidade de Lima. Mestre pela Universidade Autônoma de Barcelona. Em poesia, publicou (Alegorias hiperbólicas) ou Las ruedas del beso de Reinaldo Arenas (2003), El pequeño y mugroso pólack (2007), Poemas médicos (2009) e Universal/Particular (2013). Participou como editor na revista de criação e crítica Evohé, assim como no selo Magreb. É co-fundador do Festival Internacional de Poesia de Lima e codiretor do site literário Vallejo & Co.


3
A angústia é um pássaro que bate suas asas no coração humano/
e seu correlato no mundo é o vento que sacode, trêmulas, as altas
janelas desta cozinha.
Depois fecho a porta, é isso, vejo a luz da geladeira brilhar
nos vidros dos teus óculos.
Que figura, que imagem,
                                   que antigo reflexo, fenecem hoje em minha alma?
Rosto irrepreensível iluminado. Irrepreensível
roupa ao sol que flameja heroica desde a borda das tubulações.
Fechas a geladeira, colocas pratos sobre a mesa, olhas o relógio.
Pois cada segundo é um migalha de luz/
que apenas nos será permitido ascender/ no momento
                                                                                                             posterior à nossa morte/
oh morte que brilhas como uma moeda de ouro no bolso de todos
os momentos felizes
oh gardênias, oh toalha da mesa,
oh tempo que avanças como esta
fila de formigas cruzando os quadrados vermelhos, os quadrados brancos,
os quadrados vermelhos
/e assim o futuro nos recebia como um arco voltaico/
camisas brancas flamejantes, sol flamejante do operário.
Em todos os pisos, sempre há alguém encarregado da fé
e da poesia/
a poesia é agora a pele do tambor e é a canção que a água canta
sobre o círculo azul de fogo
“…eu venho de uma aldeia distante – digo a você – e em uma aldeia distante…”
então espalho o mapa da cidade sobre a mesa
                                                                                                                                                             /atrás da porta
o cachorro de Federico sobe e
desce as escadas latindo estranhas canções de amor/
espalho o mapa e ouvimos ranger a ponta da bengala
                                                                                                                                           sobre as tábuas de madeira.
Nosso coração palpita porque com certeza o peso da morte
foi maior que o peso de um cacho de versos/
o corpo da humanidade se rendeu à sombra escura da oliveira
Boa tarde, Federico! – gritas com as mãos levantadas e sua sombra
reverbera junto ao trovão sobre a árvore da resistência.
Serves o vinho, chamas para a mesa,
enquanto eu continuo/ com a mão esquerda no bolso/
jogando para adivinhar o alto-relevo/
da moeda/ que arde/ no anular/ entre as falanges/ e leva o teu nome/
meu irmão.

*****

4
Nada é digno o suficiente para desperdiçar as forças da juventude.
E vagueamos, rua abaixo,
                   entrando na praça pela Rua do Amparo/
cada transeunte carrega a partitura de sua vida sob o braço.
Mas hoje a noite terminou com sucesso e
                                      ruge o sinal prateado das grades dos estabelecimentos/
os baguetes e as bicicletas substituem as espadas e os cavalos.
“Porque o deus da poesia era de cristal e explodiu nos
                                     céus sobre todas as coisas”
                                                                                             me dizes, enquanto
vês as últimas gotas de chuva caírem do beiral do teatro.
Pequeno pássaro adormecido/ luz selvagem sobre os capitéis.
Nenhum fato, nenhum trabalho, é digno o suficiente para
desperdiçar a imaculada força da juventude,
talvez sim o amor indecente, a vagabundagem desmedida,
a transmigração da linguagem para as coisas
                                                                        do mar para as coisas
porque hoje a poesia é um trabalho doméstico
                                    (donas de casa leem enquanto fervem os vegetais)
“pegas um saco plástico, espremes entre as mãos e lanças sobre a mesa;
observa como ele se expande”
como o universo se expande,
como a mitocôndria o fogo a raiz
o voo dos cormorões em nosso corpo.
Oh São René Quinton, vejo o mar e vejo minha casa!
Porque o coração humano é 70% água oceânica/
porque o coração pulsa e se expande sobre a mesa como o Universo se expande,
como o fogo se expande entre as nuvens
como os sonhos humanos se expandem, que também são 70% água que
evapora sobre nossas cabeças/ oh São René Quinton!
quem nunca imaginou o sol brilhando à noite,
                                                                       em seu estômago, enquanto dorme?
quem nunca imaginou que suas palavras
são sóis incandescentes brotando de sua boca e caindo
em solo fértil até produzirem belos brotos de fogo?
Mundo terrível aquele que te obriga a se esconder para chorar.
Terrível angústia que bate asas como um pássaro dentro do coração humano/
e continuamos, rua abaixo, o voo mágico do pólen sobre as coisas reais,
turistas enxameiam e
disparam suas câmeras contra a estátua do poeta.
O amor é um animal onírico
que não sei se alguma vez, tu e eu, com todo o vento
                                                       a nosso favor, fomos capazes de presenciar.

*****

8
E aquela senhora, atrás do vidro, que tilinta a colherzinha entre
a xícara e o pequeno prato, é o vivo reflexo de minha mãe/
empurramos as portas giratórias para a sala dos azulejos e nos
acomodamos em uma pequena mesa/ dividida ao meio/ pela luz e sombra.
Ela me observa e acredita me reconhecer
pois o dia é claro e real como
os guardanapos de pano que uma menina dobra no balcão.
Galhos da árvore que estendem suas artérias até o infinito
transeuntes anônimos passando cada um com seu raio de sol e
que agora posso observar
do outro lado do vidro.
Levantas o braço e pedes um suco de laranja e um café,
eu vejo as fibras da página 82 deste livro
contra a luz/ entre as tenras letras pretas/ e a página 81/
palavras tão antigas que são jogadas na sacola e misturadas
e assim temos um poema
e assim tuas mãos pousam palma para cima sobre a mesa de mármore.
A candura na xícara de café que ainda sobrevive do
sol que fez brotar os grãos
a candura da faca que fez o corte transversal nas laranjas
e assim se cria a árvore, o verbo, a semente, a tinta
Hesíodo se torna carne como pai da igreja de
a Cúpula de Magdalena.
Poder Arcano, sintoma Particular:
dos enforcados só restam os ramos quebrados
e o broto dos crisântemos.
Poder Arcano, sintoma Universal:
um dia tive um violino que amarrei a uma pedra e
joguei do penhasco ao mar de San Bartolo/
pois para dar vida a esse poema é necessário
imaginar um tigre agachado
sobre nossas cabeças/
pois para que qualquer coisa tenha vida
é necessário amarrá-la a um ramo
de balões de hélio/
e dizer adeus com um lenço de sabedoria.
Deixar as palavras que nomeiam todas as
coisas na areia molhada/
sentar à mesa dos desajustados: pegar as armas,
as flores, os livros,
colocar minhas mãos, palma para baixo,
sobre as tuas, na mesa de mármore
(a paciente vitória da sombra sobre a luz
no tabuleiro tomando conta de nossos braços)
levar tudo isso numa manhã de outubro até a beira do rio
sonhar com saudade e raiva que a nossa
é sempre a outra margem do rio.
Ver a água que nos separa e mergulhar
nos livros nas flores,
nas memórias que confundimos quase sempre com fatos fictícios
em uma vida inteira que no final se resume a
quatro memórias reavivadas
em nossa língua materna, que é o grasnado do
rio passando pelas pedras
ave de papel voando sobre o prado com um coração humano
relíquias de todos os santos lançadas ao vento
/amor como uma chave encontrada no chão
sem saber que porta ela abre/
pois hoje ainda posso me vangloriar um pouco da arrogância
da minha juventude
e aqui eu levanto o rosto e os olho com
desprezo verdadeiro: pedestres, leitores, donas de casa,
e aqui eu levanto o rosto e vejo com desprezo verdadeiro
o vivo retrato de minha mãe
(todos esses versos em troca da minha vida roubada)
e ela levanta os olhos e me devolve um olhar de estupidez,
de candura, de compaixão humana,
e sinto que minha juventude caminha entre os pedestres
do outro lado do vidro
adeus dias futuros, adeus breve caminho de casa para a praia/
eu só queria propor um jogo simples, mas belo: amem-se
não neguem as horas a ninguém
coloquem seus violinos e peguem o ônibus para a praia norte de San Bartolo
atrás da colina da cruz, onde o mar ruge,
beijem-se com todo o desejo de transcendência à sombra da
árvore que sobreviveu a todos os amantes
pois quem ama, em suma, mente
pois sempre permanecem/ mesmo que tenuemente / os
nomes escritos na casca da árvore
(as lágrimas escritas nos líquens das pedras)
e pois dos dias aparentemente intermináveis
chegará aquele terrível
que iluminará nossa última tarde,
e certamente a magia prevalecerá sobre o fogo
e certamente o desprezo
prevalecerá sobre os olhares compassivos
sobre os transeuntes atrás do vidro
sobre a última onda que quebrará na praia.
Então você dá o primeiro gole no café e
o vivo reflexo de minha mãe deixa algumas moedas
sobre a mesa dela e sai pelas portas giratórias
sem me dirigir um olhar/
vejo-a se perder entre os pedestres sem poder reconhecê-la claramente.
Fecho o livro e
acho que vejo um raio de eternidade se confundindo com um
simples lampejo na moldura dos teus óculos.
Hoje eu juraria que um amor errado foi sem dúvida o meu melhor amor.

 

2 comentários em “3 Poemas de Bruno Pólack (Peru, 1978)”

  1. Tres poemas bastante expressivos, vazados em versos leves e sonoros, embora sem rimas. Estas são dispensáveis diante da fluidez do canto em que as palavras e as vão se sucedendo e ganhando sentido.

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