3 Poemas de Roxana Crisólogo Correa (Peru, 1966)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Roxana Crisólogo Correa (Lima, 1966). Poeta, gestora cultural e tradutora. Publicou Abajo sobre el cielo (Lima, 1999), traduzido para o finlandês como Alhaalla taivaan yllä (Helsinsky, 2001); Animal del camino (Lima, 2001); Ludy D (Lima, 2006); Trenes (México, 2010 e Chile, 2019). Sotto sopra il cielo é o título de uma mostra de sua poesia traduzida para o italiano publicada pela Seri Editori, 2021. Em 2021 apareceu a primeira edição de Kauneus (beleza) pela Intermezzo tropical, Lima. Fundadora e vice-presidente da Plataforma Sivuvalo, literatura e tradução. Parte do coletivo feminista multidisciplinar “Somos la colectiva”. Vive e trabalha em Helsinque, Finlândia.

*****

A poesia – diferentemente da lógica das ações na narrativa – trabalha com associações de palavras, prosódia e ritmo. Coleções de poemas geralmente não são lidas do começo ao fim, mas de acordo com os sinais de nossa bússola interna, como os sinais de fumaça na segunda seção de Kauneus. Assim, a fascinante leitura do Kauneus, para mim, começa com Postales, como não poderia deixar de ser, no que diz respeito à minha admiração pelas experiências de viagem da escritora.

Mas a poesia de Crisólogo não é romântica nem cosmopolita. É em momentos de intimidade dura como em “Cierra tu libro”, o poema que inicia Kauneus: Cierra la boca/Cierra las piernas, e da mesma forma em “El viaje”, em que a autora olha para si mesma escrevendo a partir de seu “barrio polvoriento” no sul de Lima, e depois continua a sua viagem por lugares remotos: Istambul, Helsínquia (“ciudad de cristal”), onde a poeta vive atualmente, ou mesmo Lisboa. Mas a autora não os descreve; seus textos não são pinturas decorativas, mas metonímias enigmáticas: o olhar da escritora se detém apenas nos detalhes. Em Istambul, os vestidos pretos e o suor dos corpos; em “Belleza”, e em todas as seções encontramos este recurso; se se menciona Tijuana, menciona-se o cheiro de coelho e pombo; em Kiev, aos judeus ortodoxos que arrastam “varios niños y muchas maletas”.

Embora o tom introspectivo seja acompanhado por uma visão política sem chegar a slogans invectivos ou partidários. Porém, entre sonhos, amores, memórias de infância e solidão, seus poemas revisam contundentemente o plano dos investidores em Chernobyl, a pobreza no Brasil, o terrorismo em uma mala abandonada em um aeroporto, da mesma forma que a Ganância em Wall Street.

Roxana Crisólogo, em cuja obra o culto e o popular encontram sempre uma aliança original e transcendente, conseguiu em Kauneus colocar a beleza de joelhos como aquele verso de Arthur Rimbaud, embora não para achá-la amargo como o poeta francês, mas para lhe indagar desafiante: “De que lado estás?”

CARMEN OLLÉ


***

Ultimamente eu me protejo da poesia
Ao meu lado, um grupo de homens reunidos torna-se maior
matam o tempo comparando seus relógios mostrando seus tênis um ao outro
O que falam?
Como eu poderia cuidar de pelo menos uma de suas preocupações?
Em seu mundo de homens, as preocupações serão mais sérias e maiores?
O grau de responsabilidade maior que minhas banalidades?
Eu só escrevo poesia
talvez eu já tenha dito tudo o que tinha a dizer
Cumpri o tempo que a poesia me deu para polir a porcelana
Cumpri a minha cota de palavras chorosas
Ofendi a poesia
E se a poesia me abandonasse na estepe
para que eu possa aprender a me defender?
E se eu não fizesse bem o meu trabalho de inventar mentiras?
Se eu deixasse a poesia abandonada no deserto que ergueu minha cidade?
Abandonei a poesia na sala de espera de um Ministério?
Em uma sala de parto?
E se você estivesse esperando um médico, mas chegasse um extirpador?
Se a poesia me abandonasse porque fui uma péssima mãe?
Se a poesia precisa de prova de amor?
Como posso convencer a poesia de que não tive a intenção de ofendê-la?
Fiz ela limpar o chão, esfregar tudo que não brilha.
Eu tirei sua inocência sujando seu vestido
Não
Eu não a abandonei por relutância
mas as palavras um dia tomaram poder


***

A milícia de mosquitos de uma guerra infinita
bombas com a luz dos grandes hotéis
A luz que nos deixará cegos é a do luxo
os outros tambores na réplica fantasmagórica das janelas
ocupa os restos dos frutos verdadeiros

Eu tive que escolher entre Kim Il Sung ou
afundar na Rua Lênin

Arrancar a Muralha Chinesa da parede
e o Jesus Cristo que aponta o dedo para mim

Eu tive que empurrar meu corpo como material de construção
que está procurando um lugar para se estabelecer para fundar sua cidade
Tive que preencher as lacunas com uma conversa sobre a distância
que estamos do mundo
Lembrar o nome de uma das minhas heroínas
e dar-lhe uma rua imaginária
Explicar que eu fiz isso sozinho

que mudei o mundo porque o ordenei com minhas palavras
que me faltam palavras
para exumar as sombras e acender a luz
que agora escrevo de um país chamado ex-colônia de Portugal
atraco nas costuras altas do horizonte
nas ondas vítreas

As diferenças entre um pedaço carnudo de polvo
e os corações de galinha
não deveriam estragar nosso apetite

E o que a escuridão tem a ver com o mar de algumas pequenas ilhas
cercadas?
As colônias francesas brilhando à luz de seus hotéis

É por isso que ninguém se importa por que as ruas receberam esses nomes.
embora haja muitos pássaros e a música seja uma linguagem
Por que os super-heróis ancorados em suas capas não conseguem voar
quando seus olhos se fecham
Recuso memórias que não têm janelas ou escadas
caso alguém entre de repente
Amo com intensidade o que se forma em meu peito
os cascos
nus dos multifamiliares como uma tempestade que não explode
como um corpo robusto e belo que o sol desgasta
a luta do povo é a luta do povo

As pessoas nunca se acostumarão a estar no escuro, mas
se chegares mais perto verás a cidade que amas
Aprenderás a saber o que tem que fazer
Aprenderás a se tocar e
Pesquisar no toque do invisível
Para encontrá-lo novamente nos olhos
sentir

que o oceano Índico são partículas
das pequenas coisas que começaram a crescer
e tomar o teu lugar


***

Paga-se para ver como os animais galopam desesperadamente
                              buscam novas pastagens
fogem de caçadores e reis octogenários
da chuva       da estação seca        dos pesticidas
e das fotos

Decidi realizar meus sonhos e viajei para a África
me meti em um safari por amor à terra e às causas justas
Amo os animais
e queria vê-los com meus próprios olhos
não o que flutua em meus sonhos
patinhos      girafas      hipopótamos de borracha

Mergulhei na liberdade do jipe
conduzido com fúria e rock and roll
ouvindo: investi minhas economias de aposentadoria
para ver animais e vou ver animais
Paguei para ver o Sol fugir

Viajei para a África porque de todos os lugares
é o mais dócil é o mais bonito
Não me separo de meus binóculos
em breve a grande migração desaparecerá com a poeira
                                   e com sorte
um novo rebanho irá com as aves
como se esse fosse o destino do continente
Aqueles que cruzarão furtivamente a terra
não levantarão poeira apenas buscarão o mar

 

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