3 Poemas de Vladimir Amaya (El Salvador, 1985)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

A criação poética é uma decisão absoluta de liberdade, no sentido de que é uma aspiração de outra realidade e mais uma disposição da ordem lógica que habitualmente a rege. Isso acontece na poesia de Vladimir Amaya, que – em termos gerais – constitui uma representação lírica que tem a mesma ou mais força que a realidade.

Seus poemas permitem uma viagem de aço pela intimidade do autor. Às vezes, há neles uma tendência deliberada para temas de atmosfera triste e sarcasmo penetrante; outras vezes, Amaya atinge uma maturidade expressiva que se manifesta em uma linguagem – que sem estragar o bom lirismo – consegue refletir sobre os problemas que afligem nossa sociedade.

O tema da vida ocupa lugares importantes na poesia deste jovem autor. O ceticismo, o sarcasmo e as dúvidas existenciais ganham clareza numa voz que se questiona sobre o seu destino e o dos outros; a apresentação dos lapsos habituais do homem como certezas cotidianas, permite a compreensão do desenraizamento e do absurdo da vida.

KARINA ESCOBAR AQUINO

Tive o privilégio de testemunhar algumas das muitas personalidades literárias que Vladimir gerou. Sua vida não é suficiente para ele nos dar poesia. Com o questionamento claro e severo de seu tempo ele se confunde em vários egos, em personagens contraditórios, para explorar todo o mundo possível com seu enorme desejo de expressar o espírito humano mais contemporâneo. Também estive perto de sua tumultuada pesquisa sobre a poesia salvadorenha, da qual ele se tornou uma referência com velocidade chocante. No primeiro caso, os resultados são claros e aparecem em cada um de seus livros publicados. No segundo momento, ele passou de uma mera contribuição bibliográfica para uma análise mais profunda da densa obra oferecida em seus livros, especialmente a partir de Quizás tu nombre falte, um aceno engenhoso a outra antologia passada sobre a poesia salvadorenha. Em todo caso, suas contribuições são inquestionáveis, principalmente quando teve que deixar de lado todas as dificuldades naturais de uma sociedade ingrata e frívola com a poesia.

OTONIEL GUEVARA


SINFONIA MUDA

Eu canto para você a morte dos caracóis.
Perdoa a mentira da luz
e deixa-me a sombra, a lama
que alguma vez poderiam nascer
                                                  onde você pôs seu rosto.

Perdoa-me os números aborrecidos
                  e as enormes aranhas debaixo da sua cama.
Não me olhe com tanto amor
                 E esquece as palavras mais suaves
Não tenha pena dos caracóis.
Não venda a fruta que lhe falta para comer.

Criança, me perdoa o céu cinza
                                    que eles exigiram para seu riso,
e essas pedras frias que lhe deram para segurar
quando seu medo for maior.


NÃO HÁ RETORNO NO CADÁVER

Não há retorno no cadáver.
Não há regresso à cordilheira do que foram sua coragem e ternura.
Não há nada nele
que detenha a solidão de suas roupas dentro de uma mala vazia,
ou algum mapa que leve de volta nossa pupila errante até seu olho.

Tanto amor entre as mãos
e um beijo agora é apenas uma palavra.

Não há no cadáver
um último retorno até a vida.

Cinza hoje onde seu abraço cresceu.

Um poço aberto na terra
por esses dias que ele leva consigo.

“Boa viagem”, dizem alguns;
“Até breve”, “até a eternidade”,
lhe dizem os mais sonhadores.

Não há retorno no cadáver.

O cadáver é sempre o caixão dos vivos que restam.


A MÍNIMA PRENDA COM QUE DORMES

A menor prenda com que dormes
é a última luz que se apaga na cidade.
Trêmula melodia de algodão.
delírio celeste e branco
como céu e mar de um mesmo mar,
mínima estrela de um belo naufrágio.

Sândalo grave,
cofre de uma ave que repousa.

Prenda empapada
do suor sagrado onde a chama ressuscita.

Prenda inquieta
suave e paciente como a relva
curta e vital como um suspiro.

Lenço para vestir-me de ti.
Estação breve,
prenda feita sempre à medida do assombro.

Fios de uma nuvem que freiam a tua cintura.
É a primeira voz do silêncio,
é chave deslumbrante,
cadeado que cede.
Porta aberta
durante o granizo e os assaltos.

A menor prenda com que dormes
é uma prenda de olhos abertos que me ajuda a te ver,
a te conhecer entre as formas,
a resolver-te no grande mistério da noite.

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