Curadoria e tradução de Floriano Martins
Jorge Eduardo Eielson (Peru, 1921-2006). Poeta, ensaísta e dramaturgo peruano nascido em Lima. É uma das vozes mais representativas da poesia latino-americana. Seu estilo literário mostra uma influência marcante de Eguren, Westphalen e Vallejo entre os nacionalistas, e de Breton, Prévert e Ezra Pound entre os artistas estrangeiros de vanguarda. No final da década de 1940 viajou para Paris e desfrutou da extraordinária atmosfera criativa francesa. De lá viajou para a Suíça como bolsista para se dedicar à escrita, e no início dos anos cinquenta fixou residência permanente na Itália, onde brilhou não só pela sua obra literária, mas também pelo seu desenvolvimento como artista visual que o levou a obter prestigiosos reconhecimentos internacionais, participando de grandes exposições em museus como o MOMA ou na coleção Rockefeller em Nova York. A sua obra poética está contida nas seguintes publicações: Canción y muerte de Rolando em 1943, Reinos em 1945, Habitación en Roma em 1951, Mutatis mutandis em 1967, El cuerpo de Giulia-no em 1971, Poesía escrita em 1976, Noche oscura del cuerpo em 1983, Primera muerte de María em 1988, Antología em 1996, Sin título em 2001, y Ceremonias em 2001.
ÚLTIMO REINO
Aura suprema, beija minha garganta gelada,
Confere-me a graça da vida, dá-me
O suplício do sangue, a majestade
Da nuvem. Que em cada gota do dilúvio
Haja tristeza, sombra e amor. Oh rompei
Fervores materiais, crateras radiosas!
O sol do caos é grato à serpente
E ao poeta. As neves que eles fundem
Caem ao fundo do verão, entre pancadas
De gloriosa lava, de vagalumes
E porcos fulgurantes. Nada impede agora
Que a onda dos ares resplandeça
Ou que rebente o seio da deusa
Em algum negro bosque. Nada
Exceto os puros aros naturais ardem
Nada exceto o suave girassol favorece
A entrada simplória das bestas e do outono
No planeta. Eu quisera que assim fosse
A alta porta que me aguarda atrás do vapor
De minha vida, como uma grave dália em pedestal
De pedra, ou um esqueleto deslumbrado.
CORPO ANTERIOR
O arco-íris atravessa meu pai e minha mãe
Enquanto dormem. Não estão nus
Nem lhes cobre pijama ou lençol algum
São como uma nuvem
Em forma de mulher e homem entrelaçados
Talvez o primeiro homem e a primeira mulher
Sobre a terra. O arco-íris me surpreende
Vendo correr como lagartixas entre os interstícios
De seus ossos e de meus ossos vendo crescer
Um algodão celeste entre suas sobrancelhas
Já nem se olham nem se abraçam nem se movem
O arco-íris os leva novamente
Como leva meu pensamento
Minha juventude e meus óculos
REI CONVICTO DE TEU AMOR
Cansado de saber que és cinza
Ou que és somente luz
Vestida de carne e osso, cansado
De saber que tudo passa
Que tudo o que vemos e tocamos
Já não é nada. Cansado
De te ver brilhar como um diamante
Na palma de minha mão
Sabendo que minha mãe
É somente a mão
De um esqueleto que tropeça
E que já não te acaricia. Cansado
De tanto número insondável
De tanta palavra vazia
De tanta terra que se move
De tanto céu impossível. Começo
Novamente por onde tudo acaba
Renasço de teu amor como um mendigo
Da terra como um rei que não repousa
Para sempre adornado
Com a tua própria cinza.
CORPO APAIXONADO
Olho meu sexo com ternura
Toco a ponta do meu corpo apaixonado
E não sou eu quem vê, mas o outro
O mesmo macaco milenar
Que se reflete no remanso e ri
Amo o espelho em que contemplo
Minha barba espessa e minha tristeza
Minha calça cinza e a chuva
Olho meu sexo com ternura
Minha glande pura e meus testículos
Repletos de amargura
E não sou eu quem sofre, mas o outro
O mesmo macaco milenar
Que se reflete no espelho e chora
CORPO DIVIDIDO
Se a metade do meu corpo sorri
A outra metade se enche de tristeza
E misteriosas escamas de peixe
Sucedem em meus cabelos. Sorrio e choro
Sem saber se são meus braços
Ou minhas pernas que choram ou sorriem
Sem saber se é minha cabeça
Meu coração ou minha glande
Que decide sobre meu sorriso
Ou minha tristeza. Azul como peixes
Eu me movo em águas turvas ou brilhantes
Sem se perguntar por que
Eu apenas soluço
Enquanto sorrio e sorrio
Enquanto soluço