Curadoria e tradução de Floriano Martins
A poesia de Juana M. Ramos reflete o desenraizamento, a cidade avassaladora e uma raiva que fala das ausências… de amores, de seres. Tem as bordas dos cantos escuros, a força do fogo e a suavidade das pétalas. É possível transitar por seus versos sentindo como vão senso paridas as palavras partidas, as despedidas cotidianas, ela diz: partido pelo fio da minha língua / tanto adeus se esvai nas palavras, e é inevitável visualizar um ser vagando por uma cidade angular e fria, carregando um saco de cinzas, que é jogado ao vento enquanto enlaça palavras nos semáforos.
Limiar após limite, Juana se multiplica em espelhos paralelos, escuros e desiludidos. De todas as figuras extrai chamas e arestas fios para conjurar, inclusive a si mesma, por vezes fala aos outros, à cidade, porém seus versos deixam dúvidas se ela não está falando ao espelho, a todas as Juanas que é e não quer ser.
Danilo Doyharzábal, magnífico poeta que se esconde nas dobras aquáticas de Santa Fé de la Vera Cruz, diz que existem dois tipos de poetas, os que escrevem com a cabeça e os que o fazem com as entranhas. Não há dúvida de que Juana M. Ramos se multiplica em si mesma e é uma alma nua que desliza pelos labirintos de Nova York, deixando palavras feridas nas folhas que o vento levanta para além das massas cinzentas que tentam aprisioná-la.
BLANCA SALCEDO
DESAMPARO
Uma menina balança sua mão
em sinal de despedida,
morde o pranto pela ponta mais aguda,
submete-a, sangra, mastiga;
engole e repete esse ato para sempre
diante de uma mãe que está sentada à direita
de um adeus reincidente,
multiplica os pães e os peixes
que a impregnam de saudades
lhe dão indigestão de tristezas.
A DISTÂNCIA
Minha mãe mal tinha seis anos
sentada ao lado de María León Vásquez,
sua avó, percorre paisagens verdes, outras
empoeiradas que lhe oferecem a sonolenta
janela do trem que lhe mostrou as distâncias.
Minha mãe, de 45 anos, sentada ao lado de um
estranho, percorre as entranhas do império,
as janelas apertadas não mostram mais
do que sombras e silhuetas, vai no trem que
lhe tornou distância.
RIO
Com riso estridente:
Rio
mergulho a memória
em suas águas
para regressar, outra.
Rio,
pai da árvore perseguida.
Eu choro sob sua sombra
haste em sua casca
a flecha envenenada.
Rio que soa
arrasta lapidada a integridade
naufraga a aflição em seu canal.
Transborda a vida,
confina com a morte,
passo certeiro até as sombras.
Ah desse rio!
Por mais que a busca
não encontre o mar.
UMA CIDADE NO PEITO
(do sonho)
Para Monsenhor Romero
Na procissão,
com as mãos santas,
montas no ombro
a urna de um sonho
que pariste por lealdade a ti,
sonho sem nome
porém com uma cidade
no peito.
LICENÇA
Por nome:
pobre herdeiro
de uma tradição familiar,
de nacionalidade mundana,
sua estatura uma montanha
de seres silenciados.
Pesa ao todo as consciências
dos que nunca fizeram nada.
Informações pessoais:
anarquista de profissão,
imune ao serviço militar,
fugiu (com visto)
para outro lugar.