5 Poemas de Rodrigo Verdugo (Chile, 1977)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

– Como é sua relação atual com o “surreachilismo” como disse Gonzalo Rojas, do qual você é parente?

– Continuo a aderir ao surrealismo como modo de vida e, sobretudo, aos ideais poéticos do surrealismo, continuo na ideia de que o surrealismo ativa uma rebelião da consciência e desautomatiza a percepção. Porém, também a partir de uma distância crítica ele reavaliou algumas técnicas surrealistas, e nesse sentido já não acredito muito na automatização dos procedimentos de escrita surrealista, embora haja pitadas de automatismo nos meus três livros. Sempre com esse distanciamento crítico, ele também reavaliou tudo o que foi atividade surrealista no Chile, de Mandrágora a Spill, porém, continuo pensando e me baseando nisso com base nos julgamentos de Octavio Paz, Benjamin Péret, Jacques Herold, que todas as atividades do Grupo Surrealista Mandrágora, tiveram uma importância capital ao nível do surrealismo latino-americano. Quanto ao [grupo] Derrame, embora o desaparecimento do grupo remonte à morte do poeta surrealista e um de seus fundadores, Rodrigo Hernández Piceros, creio que, assim como Mandrágora, exerce uma influência secreta que pode ser rastreada, por exemplo, em artistas surrealistas, como a colagista Singwan Chong Li. Mantenho uma correspondência ativa com surrealistas da Colômbia, Costa Rica, Espanha, Holanda como: John Sosa, Fercho Cuartas, Alfonso Peña, Miguel Pérez Corrales, Laurens Van Crevel etc.

– Quais são os eixos em que sua arte poética se abriga e se expõe? Eles variaram nestes anos de nós velados, janelas quebradas e anúncios?

– Não houve maior variação em termos de eixos temáticos na minha escrita poética desde Nudos velados, passando naturalmente por Ventanas Quebradas, e chegando a Anuncio, pois linhas de fuga foram estabelecidas desde o meu primeiro livro (conforme foi indicado pelo poeta Antonio Silva) que continuou nos livros seguintes, estabelecendo um permanente estranhamento e me deixando muito envolvido com a ideia de Walter Benjamin: Que a arte não deve buscar o realismo mas provocar uma estranheza, por isso, esperamos ter mantido uma linha de escrita a mais próxima possível daquela aspiração gnóstica de Rimbaud de revelar todos os mistérios. O mortuário, o erótico, o apocalíptico, são constantes que se mantêm nestes três livros, sob a ideia de uma dissociação de uma realidade supostamente objetiva (como aponta o poeta mexicano Alejandro Rejón Huchin a propósito de alguns textos de Anuncio), paralelo a isso também incorporei alguns elementos de imagens hipnagógicas.

Rodrigo Verdugo / Fragmento de entrevista concedida a Ernesto González Barnert, 2023


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Três vezes fui o espírito frisado
Levado nos lábios por furiosas bailarinas
quando jogavam vidraças no mar
ou mais recente quando se formava a matriz do vento, corrompida de estrelas.

Eu amava essas bailarinas furiosas
amava o cheiro de sal de seus átomos
E as possuía cada vez que a górgona me afundava os olhos
Sempre apenas três vezes.

Depois vieram outros para tomar meu lugar
foi inútil, não puderam possuí-las.
Não há lâmpada que resista ao cheiro de sal desses átomos
Todas elas se destroem.

Falo a vocês desde uma besta nublada, perseguindo um estrondo de vidraças
Virão outros que serão como eu, filos enfebrecidos cumprirão meu lado oculto.
Em minha última noite rebentarei a ampola
para que escapam seis vezes as górgonas.

Amanhã como um herói cego ocuparei meu lugar ente o sal e a névoa.


ESTE

A Jorge Cáceres

Sob o onomástico dos machados
Somente os irmãos de sangue podem tocas as emancipações do sol
Estamos amarrados às manchas
Já cruzamos o umbral onde nos pedem em troca
O fio que libera das almas picotadas.
Estamos amarrados às manchas
Entre eco e alento urdimos a altura animal
Nostalgia dos arames que destroem as estrelas
Enterramos a faca até a metade no cavalo marinho
O líquido salto aos olhos nos cega
Soltaram nos pedregais uma correcional de sopros
Os moinhos tropeçam com tua voz, ah eles se eriçam
Os músculos emigram até os corais
São tempos de amálgamas enrijecidos,
De dizer às minhas mãos florescidas aterrissagens
As voltas da terra cruzem cheias de relampados
A alma as sublinha com sangue de seios
São ciclos onde as larvas colam nos talismãs o desmaio
Dos animais etéreos.
Estamos costurados nas manchas
Esperando a chuva como canibais inflamados
Somente a luz leva as ordens das entranhas na testa
Já nada suporta a queimadura da véspera nesta sombra
Assim as gemais confiam e transmitem a cera de seus leitos
Ao túnel que sempre costura o mesmo pranto do peixe
Ali onde dormimos, onde exaltados banhamos o corpo no âmbar
O amanhecer vocifera o larvário
No cárcere de linhas que há debaixo dos lençóis
Há um murmúrio posto para secar
A água talhada nos trapézios
Sem motivo o sol tapa o oco da morte com nossa nudez
Ah a única mancha, novamente recordarei todas as etapas
Tua alma me mostrava as raças da água ao final dos rolamentos
Eu voava com os chicotes sobre os vasos invertidos
Que haviam sobre teu coração
Deixava cair no dia o relâmpago onde se oculta o homem
Quando já não pode dizer nada mais da pedra
A aurora descarregava gargantas de lobos
O penitente telescópico se despia diante de um anel
Escolho o torvelinho como rede e não para me decifrar
Mas para essa eternidade anterior que despenca na noite
Ah a única mancha, ah as essências expulsas
Valho-me do fio sagrado até essa ventilação que desafina deus
Ermitões, somos ermitões desde que o orgasmo aperfeiçoou as raízes
Desde que os coágulos nos disseram que o inferno
Está em posição invertida, caem fechaduras litorais, purificações,
Astros de madeira atados aos tigres em pelo
Tropeçamos e tropeçamos
Apesar das chovediças idades no reflexo.


DOMINGO

A Miguel Arteche

Uma gaivota se joga contra o galo, para extinguir seu canto
Corta seu pescoço qualquer manhã de chuva e de neblina
Onde avançamos transtornando um vínculo empavonado
O sangue goteja daquele pescoço ontem uma armação pagã
Agora esse declive excitado
Ou tão somente a urgência de alcançar o último barco após toda essa chuva e neblina
O óxido conquista tremores de sangue
O que faremos se de imediato se revive esse canto?
O que seria de nossa usurpação sobre as travas?
Corta-me do céu, me disseste, e verás tua cinza inferior
Não é a nós que corresponde xeretar nesse pescoço, sob voos vitoriosos
Mas sim àqueles que deitarão o próprio sangue sobre as magnólias venéreas
E estamparão o raio combinatório sobre o lenço
Ontem sangue, óxido, hoje esse grande espelho laranja onde te penteias com dentes de hiena, avançando até o último barco
Com o desbocamento de rodear com arames essa cópula de labirintos
Como quem vê o mar pela primeira vez
O que faremos se alguém puser para brigar a gaivota e o galo sobre as travas?
Corta-me do céu, me disseste, porém nessa manhã de muita chuva e neblina
Após conquistar meu tremor de sangue.


CONTINUIDADE

Nasceu de um retrato de névoa
Ondas inconfessáveis iluminaram essa voracidade
Os fundamentos do dia passaram ao sangue
As cidades ficaram brancas
Velaram as metades de um mesmo corpo em distintos ataúdes.


FEVEREIRO

Partem-se os vidros da casa
E o teto se cobre de pombas.
Depois: apenas pálidos poderes.

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A Heriberto Rocuant

Eles voltaram e sem princípio algum que disfarce o sangue
Sem o mineral exorcizado
A chuva filma quando eles entram na casa sustentada por entranhas
A chuva segue filmando quando entram o zodíaco negro e as lontras
Terão seu enterro em minha palavra
Sua faca incestuosa
Sua carta escondida
A casa sustentada por entranhas já foi um dia habitada
Basta passar bem perto e ver
Como jogam dominó apostando pássaros pré-históricos e lágrimas de sangue
Terão que desmantelar os mandamentos das ondas
Se não quiserem ficar presos como minerais na atormentada exatidão
Terão uma sombra equivalente a um tempo morto
Terão que dispor de um tempo morto equivalente
Para convocar a todos os túneis em uma só boca
Para que ter dias desfundados?
Para que esperar que o azul se torne assistencial?
Bem o sabe o mediador do espaço
E cai sobre o mar
E não demora a ter álibis
Para com os lutos
Para com as heranças não consumidas
Para com as sequelas que dançam nos ouvidos da água
Quem sabe o mediador do espaço caia também
Sobre a casa sustentada por entranhas
E apesar de tanto raio e casca
Que nos cifram e cifram e cifram
Reconheçamos em um mesmo ponto ávido
Aqueles que vão
E aqueles que voltam
Apenas com a aderência esperada
E o céu necessário.

2 comentários em “5 Poemas de Rodrigo Verdugo (Chile, 1977)”

  1. Qué interesante leer estos poemas del poeta Rodrigo Verdugo, tan largas que son las distancias entre unos y otros/otras poetas, tal vez, han gravitado en estas lejanías la dictadura, las pestes -son múltiples y pueden venir otras-, la tecnología sobredimensionada a veces; por eso es valioso dar a conocer más de cada producción poética: este es uno de los territorios más vitales de la comunicación entre escritores, concentrados en sus trabajos, fieles a devociones cuyas procedencias desconocemos, siempre muy vivo el ojo crítico ante las realidades sociales, en esta época de transformaciones creativas, y de unas cuántas, despampanantemente absurdas.

    Puedo aventurarme en decir que ya ha empezado a aparecer “un aire nuevo” -como el que requería nuestro Gonzalo Rojas, “no para respirarlo, sino que para vivirlo”- mediante una conjunción de factores de cambios sociales y culturales que pugnan por propender al encuentro/re-encuentro de los que fuimos, de lo que somos y de lo que seremos, como un vórtice perpetuamente radiante. Distintas iniciativas culturales confluyen hacia nuevas formas de organización que trasciendan nuestras limitaciones: las recientes actividades que siguen apareciendo en distintos ámbitos de un Chile adormecido, que comienza a renacer al cabo de medio siglo de una tiranía feroz y desalmada, y de una morosa post-dictadura que parece no terminar nunca; sin embargo, como repetimos día y noche con los mejores propósitos para Chile: “la poesía no olvida”: NUNCA MÁS..

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