5 Poemas de Cruzeiro Seixas (Portugal, 1920-2020)

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Apresentação e seleção de Floriano Martins

O português Cruzeiro Seixas (1920-2020) criou uma obra que transita com mágica afinidade entre a poesia e a plástica. Identificado desde a juventude com os postulados do Surrealismo, em 1949 participa da Primeira Exposição dos Surrealistas, em Lisboa, grupo recém-formado e que integra juntamente com António Maria Lisboa, Mário Cesariny, Mário-Henrique Leiria, dentre outros. Logo em seguida se muda para Angola, onde reside por 13 anos. Ali escreve a quase totalidade de seus poemas e realiza exposições individuais, de desenhos, objetos e colagens. Ao regressar a Portugal, em 1964, dedica-se ao trabalho como programador de exposições em algumas das mais destacadas galerias. Mantém contato com surrealistas em vários países europeus e alguns americanos, o que se constata quando vem a público uma mostra de seu acervo, praticamente todo ele doado a uma fundação portuguesa. Acerca do Surrealismo, ele gosta de dizer que se trata de uma filosofia insubstituível, uma das mais belas janelas que se abriu ao homem. Em 2005 publico no Brasil o livro Homenagem à realidade, que reúne poemas e colagens. Em 2016 volto a publicar outro livro a ele dedicado, Confissões de um espelho, desta vez em um espectro mais amplo que envolve poemas, desenhos, colagens, correspondência e textos críticos a seu respeito. Acerca deste livro, anoto palavras de Leontino Filho em suas orelhas: A lucidez buliçosa de Cruzeiro Seixas carrega consigo a plástica natureza dos dizeres: ácido, flexível, lábil, sarcástico e enxuto em cada curvatura de sua fala. O pintor e poeta português, em trilhas de metáforas, veredas de alegorias, é um homem-galáxia a percorrer os signos bacantes de sua prodigiosa travessia. A poesia de Cruzeiro Seixas, de publicação ainda incompleta, foi organizada por sua amiga, também ela poeta e artista ligada ao Surrealismo, Isabel Meyrelles.


***

Quando o homem atinge
aproximadamente a sua medida
rebentam as lágrimas nas mais altas serranias
e assim nasce
algures um povo
um espelho de prata
na vastidão de um leito.

Uma espécie de descoberta
inútil
mas que sempre será celebrada
como uma imensa revoada de pombos.

Nada a fazer
o palhaço
está caído entre os seus símbolos
a gritar para além do vidro
à chuva
sobre a evidência da terra empapada.

Um homem
um fruto
ou melhor
um minúsculo som
engaiolado na janela
aberta
na tua carne fremente.


***

Logo que te deixo
há um rio que corre ao teu lado veemente
e da outra margem
os diabos com as suas lanternas
falam da infância submersa
no além.

Daqui até à linha do horizonte
as marés embalam maternalmente os mortos
e o seu canto
arrasta as góticas catedrais até ao mar
onde flutuam e vão
com cornos de ouro
e hélices que espadanam mil diamantes.

Por toda a parte há sonhos
a empurrar outros sonhos
para o abismo.

A magia do espelho quebrado
é uma longuíssima viagem
sem regresso.


***

O veneno existe ao meu lado
diz-me que é feliz
e subitamente tira a mascarilha.
Canta na sua voz rouca
o barroco ou a essência de um cometa
de infinitas mutações.

Palavras incandescentes
que deixo à guarda dos teus silêncios
logo ali lançam raízes
e na primavera
florescem em mil bocas sequiosas.
Sete óvulos
passaram por este leito
tinto de sangue
e de vinho.

Mas quando a noite por fim me visita
vem exausta.

Então olho-te como a luz me olha
como uma ininterrupta jogada com o tinteiro seco
como o momento preciso
em que o espelho encontra a árvore,
perdida no labirinto.


***

Nesta lágrima toda uma família de baleias
ou se preferes a sombra verde de um claustro
com a data do táxi que nos levou à lua.
No caminho beijaste uma estrela
feita de sapatos velhos
para onde este sol de hoje
gemente do esforço arenoso
solene como um sonho para sempre esquecido
longe como a muralha da China
alado como esta cadeira
cego como os precipícios
pesado como uma gota de água
sem fundo
é surpreendido pelo seu próprio mistério


POEMA À JANELA

Tentemos ainda a inocência.

Gritem os de cima
destes raios negros
tensos no espaço
que somos realmente uns ladrões
tão ricos de pobreza
como os pássaros.

Eu digo que roubei o amor
como roubo agora
todas as riquezas dos outros
e também todas as misérias,
agora a minha própria insônia.

Guardo tudo dentro de mim
a sete chaves
e o meu esqueleto
é feito de todos os objetos
roubados.

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