5 Poemas de Márcio Simões

| |

Márcio Simões (Caicó, 1979). Poeta, tradutor e editor. Autor de O Pastoreio do Boi: XII poemas sobre uma parábola Zen (2008) e Fúrias de Orfeu (2016). Diretor da Sol Negro Edições (www.solnegroeditora.blogspot.com.br). Como tradutor publicou Gregory Corso: Antologia PoéticaPostais do Peru, de Thomas Rain Crowe, O Fruto de Saturno, de Yvan Goll, entre outros.


O BUDDHA DA BELEZA AFOGADO…

O Buddha da beleza afogado na cabeceira do rio Pitimbu
                       ouro-aúreo escorrido
                                                                  esgoto & merda
                                                         no Villaggio Verità
                                                medusa encantatória. usurária
                                      funcionários enclausurados. meninos-milicos. vigilantes
                          viris amantes
                                                  das madames. vidro negro & espelho
                                       arame & grade
                                                                insígnias
                                                       insignificantes
                                              & pavorosas ilusões
                                     de nenhuma eternidade


CABEÇAS DE PRÉDIOS DECEPADAS…

cabeças de prédios decepadas
            no largo
espaço azul
de manhã é um rasgo claro
para o olho aberto
eu preciso ouvir a criança
órfã regenerada
por Orfeu
sua vingança


QUANDO ANJOS ALEIJADOS…

quando anjos aleijados decapitarem a boca aberta das trombetas
quando clarins incendiarem a nudez numa vegetação
quando a campânula estrebuchar num arco de chuva
as caravelas se abrirão num largo
e as amantes se enforcarão em claras flores de lótus

estampidos e paradas se baterão pela planície
o orvalho virá fecundando a tormenta ou a terra
a ruína do mar e o arrebentar-se das pedras
louvarão essas vacilações do espírito
minhas anarquias, meus demônios


ESTOU FARTO DE VIVENCIAR A DESAGREGAÇÃO DO MUNDO…

      estou farto de vivenciar a desagregação do mundo
nem uma sombra da intercomunicabilidade das coisas
       uma mulher de seios fascinantes
       repousa ao meu lado
e no entanto não posso tocá-la
       estou identificado ao réprobo, ao carregador das chagas
       ao que sofreu os anátemas
nada tenho com os capatazes do tempo
       entretanto seus agentes invisíveis
       não me deixam ter um instante de paz
apenas tu, Musa, não me abandonaste nem na loucura
      escuto no pássaro o suspiro solitário de quinhentas nuvens
      amanheço estrangeiro e mais distante
nenhuma parte de mim deseja pedir perdão, levantar uma súplica
      crer na ressurreição dos mortos e na vida eterna


AURORAS DE BRAÇOS ESPARRAMADOS…

auroras de braços esparramados
sobre os pescoços dos montes

nuvens de brancos
nos olhos do azul

árvores em disparada
atravessando
as vestes dos vendavais

rios de duas cabeças
servindo a ceia
terrena das raízes

quem duvidaria
que a escuridão
na sombra

sabe onde
a luz esplende?

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!