Fragmentos de silêncio – Poemas de Elys Regina Zils

| |

Elys Regina Zils (1986). Poeta, tradutora, professora, artista visual. Mestre em Estudos da Tradução pela PGET/Universidade Federal de Santa Catarina. Possui graduação em Letras-Língua Espanhola e Literaturas e atualmente cursa Letras-Português também pela Universidade Federal de Santa Catarina/Florianópolis, Brasil.

Minha poesia sou eu. A seiva que percorre os dias, as imagens transparentes do meu interior.

Assim como o surrealismo é uma poética e uma modalidade de viver e ver o mundo, parafraseio Paul Éluard, e digo acreditar que existem outros mundos, neste mundo mas só fazem sentido sob a ótica da poesia. Então, exploremo-los.

Elys Regina Zils


Fragmentos de silêncio

 

Pelas pinturas rupestres na tua pele
encontrar o segredo da melhor caçada
onde os grandes transparentes convergem
e nas constelações dos meus olhos
a saltar o corriqueiro como gafanhotos
pelas brumas dos meus pensamentos
          te vejo
                      porque me vês

 

***

escrevo palavras não ditas
sobre tua pele distante
poemas decalcados de outra realidade
tingirei minhas papilas de saudade
com as cores do desabrochar do dia

o silêncio é um sonho desvirginado

 

***

amar o inútil
pelas gretas da rotina
a revolução passou
e nós ficamos
queria ter a fé da árvore no outono

a liberdade é um dia úmido

 

***

Flor noturna que só cresce entre universos
sob a influência das minhas luas
nas paisagens das sensações
cantarolo sandices mudas
ouves as palavras ditas no silêncio?

 

***

Viajando por entre sonhos
cegos
adormecidos
somos deuses do nosso mundo
testemunhas de quando o relógio para
restando apenas o movimento dos nossos corpos
paradoxos que se encontram

todo o tempo do mundo entre essas paredes

 

***

                              Sua boca inútil
nessa noite pálida
me arrasta para o fundo
da palma da mão

 

***

Sem se importar com as perguntas sem respostas
com os caminhos sem fim
                                    tortos
destino que não leva a lugar nenhum
nadamos nas letras
                                         líquidas
como a ave em seu primeiro voou

 

***

a busca do dois perfeito
ou alucinação compartilhada
descobrir o já sabido
e partir em expedição
no caminho de insólitas concretudes
adentrar na aventura
como o suicida que se entrega à queda

 

***

Imortais na noite
as criaturas flutuam
         pelas sombras
                dos sentimentos
no ritmo dessa dança
          desvendamos
                     amores crepusculares

 

***

Os lábios ouvem
o poema que fiz
para as estrelas do céu da sua boca
incertos
os dedos conduzem
sempre para o mesmo endereço

 

***

Na fenda da noite
ver com claridade
o horizonte parece apodrecer lentamente
diante de nós
silêncio articular
solidão com cheiro de alecrim
a vontade é um retângulo mal desenhado
caminhamos lentos pelo teto do cotidiano
como se nosso caminho fosse levar a outro destino

 

***

uma dose de azul
e tudo parece fazer sentido
na pradaria que nomeias
semear sonhos
                               enferrujados
plumas do horizonte que atravessamos
pairam no ar

 

***

traduzo a tempestade que passou
em poemas molhados
lá fora
        a sutileza das pombas exotéricas
        a ciscar obviedade
        e gorjear horas banais
                    te puxo com linha do horizonte

 

***

pela janela da paisagem
vislumbro o dia estático
                            que não nasce
a árvore é imóvel porque não tem rodas
minha cama entre as nuvens está desfeita
sobre o lençol
                         as formigas de Dali
                                       me encurralam

 

***

Toda conexão frágil
toda célula do meu corpo
faz o universo lentamente implodir
tudo é tão simples
aqui dentro
o silêncio explicará
o trânsito das borboletas

 

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!